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Exército Brasileiro completa 377 anos afundado em uma das maiores crises da sua história

por Campos 19/04/2025
Exército Brasileiro completa 377 anos afundado em uma das maiores crises da sua história

O Exército Brasileiro completa neste sábado, 19 de abril, 377 anos de criação. A cerimônia de homenagem aconteceu no dia 16 de abril no Quartel-General da Força Terrestre em Brasília e contou com desfile das tropas, apresentação da banda do Exército, salva tiros, desfiles motorizados e aéreos e condecoração de civis e militares com medalhas da Ordem do Mérito Militar.

Uma festividade necessária e, que nas palavras do Comandante do Exército, General Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, simboliza o preparo e a prontidão dos militares em prol da nação e do povo. Destoando, entretanto, com a crise em que o Exército Brasileiro se afundou nos últimos anos. Confira por quê.

Crise de confiança

Sete em cada 10 brasileiros dizem não confiar nas Forças Armadas, entre as quais o Exército. Encomendados pela CNN Brasil, os números foram levantados pelo Instituto AtlasIntel e divulgados em 15 de fevereiro.

De acordo com a pesquisa, só 24% dos entrevistados disseram confiar no Exército, Marinha e FAB (Força Aérea Brasileira). 

O índice é o menor nos últimos anos. Em abril de 2023 a confiança era de 46%. Em julho de 2023, caiu para 36%. E agora está nos 24%. Considerando esse período, a confiança nas instituições militares caiu 47,8%.

Segundo Andrei Roman, CEO da AtlasIntel, o número se deve ao fato de os militares terem ficado mais “calados” depois que o presidente Lula assumiu o governo, gerando atrito com bolsonaristas.

“Muitos bolsonaristas passaram a atacar o comando das Forças e de desqualificá-los como traidores, dizer que eles não tiveram coragem de se levantar para defender Bolsonaro”.

Entretanto, Roman argumenta que os militares seguem igualmente “queimados” com a esquerda, porém por motivos diferentes.

Segundo Eduardo Heleno, professor do programa de pós-graduação em Estudos Estratégicos da UFF, há hoje uma desconfiança dos civis em relação aos militares que, na opinião dele, seria recíproca.

“Para vencer essa desconfiança, às vezes acontece de o país entrar em guerra e essa desconfiança vira confiança. Mas, no nosso caso, não tivemos isso. Tivemos processos políticos e históricos que levaram a um divórcio. Nesse sentido, os militares têm que confiar nos civis e nos indivíduos. Tem que se criar esse ambiente de diálogo. Diálogo não quer dizer que todos concordem. Quer dizer que há um ponto em que a gente tem que pensar em defesa”.

Ana Amélia Penido Oliveira, pós-doutoranda em ciências políticas na Unicamp e autora do livro Como se Faz um Militar, afirma à Agência Brasil que depois do processo de diferenciação do militar do civil provocado nas escolas de formações, é criado um sentimento de superioridade e esse sentimento pode abrir espaço para comportamentos antidemocráticos.

“O que pode abrir espaço para o golpismo é a ideia de superioridade, que se desdobra na ideia de que tenho os meus valores, a minha forma de organização, a minha maneira de ver o mundo, e essa minha maneira deve ser imposta ao restante. Porque ela é melhor”.

Crise de credibilidade

Não é só externamente que o Exército tem enfrentado críticas. No seio das tropas a instituição também enfrenta problemas. 

O “medo” de repercussões negativas é tamanho que o Comandante da Força Terrestre deixou de divulgar a tradicional mensagem de fim de ano direcionada às tropas  e só passou a dar declarações públicas mais contundentes sobre assuntos relevantes para os militares depois de fevereiro deste ano.

Segundo interlocutores ouvidos pela Veja, o principal motivo do recolhimento do general era a suspeição levantada sobre as Forças Armadas em decorrência do possível envolvimento de militares no plano de golpe de Estado, investigado pela Polícia Federal e PGR (Procuradoria-Geral da República). 

Apenas do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, insistir no fato de que os CPFs dos suspeitos precisam ser separados das instituições, a desconfiança segue respingando na verdadeira participação das Forças Armadas em atitudes antidemocráticas.

Crise de comunicação

As Forças Armadas não se comunicam devidamente com a sociedade. E elas sabem disso. 

E é justamente para melhorar esse fator que o Exército, mesmo que por último, inaugurou seu canal no Whatsapp no dia 24 de março. Atualmente, o canal da Força Terrestre tem 37 mil seguidores, enquanto o da Marinha tem 276 mil e o da Força Aérea Brasileira possui 208 mil.

Outra iniciativa da Força foi contratar uma pesquisa por cerca de R$ 717 mil para levantar o direcionamento e as tendências da opinião pública em relação a temas relevantes para o Exército. O caso foi revelado pela Veja em 27 de dezembro.

Em entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura em 10 de fevereiro, Múcio disse que as Forças precisam que a sociedade entenda o que elas fazem pelo país.

“Isso tem que ser dito [o que as Forças Armadas fazem]. Não é do militar fazer essa propaganda”.

Apesar do ministro tentar culpar equivocadamente a própria sociedade pela suposta falta de reconhecimento aos militares, organizacionalmente o trabalho tem sido feito com o profissionalismo devido.

Um capítulo inteiro do Planejamento Estratégico Setorial de Defesa 2024-2035, lançado em 29 de novembro de 2024, é dedicado a aumentar as estratégias para melhorar a percepção da sociedade brasileira sobre a importância dos assuntos relacionados à defesa do país.

Entre as iniciativas previstas pelo documentos estão:

  • Ampliar interação com a sociedade
  • Aperfeiçoar as estruturas de ouvidorias e serviços de acesso à informação
  • Promover eventos culturais, solenidades e comemorações com a participação da sociedade brasileira
  • Potencializar a comunicação estratégica voltada para o público externo
  • Aperfeiçoar a qualidade da informação a ser prestada à sociedade
  • Divulgar a cultura e os valores institucionais das Forças Armadas, entre outras
Crise de poderio

Na cerimônia de comemoração ao Dia do Exército, o próprio Comandante Tomás Paiva deixou evidente que o Brasil não está acompanhando a transformação rápida e profunda pela qual passam as estruturas geopolíticas tradicionais, por mais que haja investimentos relevantes em blindados e mísseis, por exemplo. 

“Os investimentos em defesa vêm crescendo exponencialmente em todas as regiões do globo, uma realidade que sugere ao nosso País atenção redobrada em relação à proteção dos brasileiros e dos ativos consagrados pela Constituição”.

No discurso, o Comandante do Exército ainda disse que “a defesa nacional precisa estar preparada para enfrentar ameaças híbridas, difusas e multidimensionais, que não se manifestam claramente como os conflitos convencionais do passado”.

Diversos especialistas têm dito nos últimos dias que as Forças Armadas Brasileiras não estão preparadas para uma guerra moderna e que o país corre sérios riscos de ser invadido e sofrer mortes e prejuízos aos interesses nacionais.

A suposta passividade do Exército Brasileiro na demonstração de força e autoridade também é alvo frequente de críticas. Um exemplo foi a “invasão” de tropas venezuelanas em alguns metros do território de Roraima em janeiro. O “mal-entendido”, como classificou a Venezuela, ficou restrito à atuação diplomática. 

Meses depois, o Comandante Militar da Amazônia, General Costa Neves, minimizou o fato em entrevista à TV Tiradentes de Manaus (AM).

“A Venezuela fez esse exercício, aliás é um exercício que eles fazem com uma certa regularidade, e estivemos com nossas tropas prontas como sempre estão. Ali mesmo em Pacaraima nós temos um Pelotão Especial de Fronteira. Tinha ali um Esquadrão de Cavalaria Mecanizado e nós transformamos num Regimento. Era como se nós multiplicássemos por 3 nossa capacidade (…) Nossa tropa está muito bem preparada, muito bem capacitada. Nós temos radares, material de guerra eletrônica, nós estamos muito bem equipados para garantir a soberania do país”.

Crise orçamentária

O Exército, assim como a Marinha e a Força Aérea Brasileira, não tem recursos suficientes para tocar seus projetos estratégicos.

A realidade já foi escancarada diversas vezes pelo ministro da Defesa e pelos 3 Comandantes das Forças

Atualmente, a despesa do Brasil com Defesa é de 1,1% do PIB (Produto Interno Bruto), enquanto o padrão Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) é de no mínimo 2% do PIB. 

“Um Gripen custa US$ 100 milhões. Por que era pra ter 11 e só tem 6? Porque faltou dinheiro. Porque era pra todos os submarinos já estarem no mar e só tem 2? Porque faltou dinheiro”, bradou Múcio durante entrevista ao Roda Viva.

Crise de atratividade

A permissão da entrada de mulheres nas Forças Armadas Brasileiras por meio de serviço militar voluntário não deve ser suficiente para conter o desinteresse em entrar pro Exército, Marinha ou Aeronáutica.

Os números de inscritos em concursos para as 3 Forças nos últimos anos corroboram para essa preocupação e são alarmantes. 

Levantamento do portal Revista Sociedade Militar feito com base nas tabelas divulgadas pelo Estratégia Militares, curso preparatório para quem tem interesse em prestar concurso para instituições militares, evidencia queda no número de interessados nos últimos 7 anos.

A EsPCEx (Escola Preparatória de Cadetes do Exército), por exemplo, já teve 43.757 inscritos em 2019. Em 2024 foram 31.623. Um dos menores números da história.

Em entrevista à Folha de São Paulo em 8 de dezembro de 2024, o almirante da reserva e ex-Comandante da Marinha Eduardo Leal Ferreira afirmou que as Forças Armadas e a profissão militar estão muito desprestigiadas.

“Nos bons colégios do Rio, você não vai encontrar quem queira ser militar, porque os atrativos são cada vez menores em comparação com outras atividades”.