EUA querem boicotar a compra de 36 caças Gripen da Força Aérea Brasileira e desafiam a soberania e o avanço tecnológico militar do Brasil

A Força Aérea Brasileira voltou ao centro de um embate geopolítico. A recente intimação da empresa sueca Saab pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos levantou suspeitas sobre a real motivação por trás da investigação. A alegação: busca por informações envolvendo o contrato de aquisição de 36 caças Gripen pelo Brasil, assinado em 2014. Em jogo estão a autonomia tecnológica brasileira, a soberania nacional e os interesses comerciais de gigantes da indústria bélica.
Neste artigo, analisamos os bastidores do incômodo de Washington com o avanço do Brasil no setor aeroespacial e sua crescente autonomia estratégica. Essa disputa que une política, defesa e diplomacia em um momento-chave para o Brasil no cenário global.
Lei anticorrupção dos EUA e o impacto sobre os caças Gripen da Força Aérea brasileira
O governo norte-americano justificou a ação com base na Lei de Práticas de Corrupção no Exterior, argumentando que poderia haver indícios de tráfico de influência relacionados à Operação Zelotes, deflagrada em 2015. O inquérito investigava suposta atuação do então presidente Lula em decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), ligado ao Ministério da Fazenda. No entanto, o caso foi arquivado em 2022 pelo ministro Ricardo Lewandowski, do STF, por ausência de provas.
Mesmo com o encerramento formal da investigação, a reabertura do tema por parte dos EUA foi recebida em Brasília como uma tentativa de interferência indevida, especialmente num momento em que o Brasil busca retomar sua presença internacional.
Gripen: uma escolha estratégica da Força Aérea brasileira que incomoda Washington
A decisão brasileira de adquirir os caças Gripen da Saab não foi apenas técnica — foi política. Um dos principais fatores que pesaram na balança foi o compromisso sueco com a transferência de tecnologia e a capacitação da indústria nacional. Diferente das ofertas francesas e norte-americanas, a Saab abriu as portas para um modelo de parceria em que a Força Aérea Brasileira não seria apenas cliente, mas também desenvolvedora.
Essa autonomia operacional é vista como um ativo estratégico de longo prazo, e causou desconforto em Washington, especialmente após a derrota da Boeing no processo de concorrência. A partir daí, muitos analistas passaram a enxergar o episódio atual como um exemplo claro de lawfare geopolítico — o uso de mecanismos legais para minar o avanço de rivais no campo comercial.
Caças Gripen da Força Aérea brasileira: transferência de tecnologia como divisor de águas
Para o governo brasileiro, o projeto dos caças Gripen representava uma oportunidade única de fortalecer a Base Industrial de Defesa. Empresas nacionais como a Embraer, AEL Sistemas e Akaer participam diretamente do desenvolvimento e produção das aeronaves, com cerca de 50% da fabricação realizada em solo brasileiro. As linhas de montagem em Gavião Peixoto (SP) e a criação de centros de desenvolvimento e ensaios de voo no país são prova desse compromisso.
Segundo o economista Paulo Gala, essa parceria com a Saab é um exemplo de cooperação internacional voltada à independência tecnológica. A visão é compartilhada por Marcos José Barbieri Ferreira, que destaca o ganho de soberania como fator determinante na escolha da Força Aérea Brasileira.
KC-390 e a Embraer no radar do mercado internacional
Paralelamente ao avanço do programa Gripen, a Embraer tem ganhado notoriedade global com o cargueiro militar KC-390 Millennium. Com capacidade para substituir o veterano C-130 Hércules, da norte-americana Lockheed, a aeronave brasileira vem vencendo licitações e despertando o interesse de países como Índia e Turquia, além de ter sido incorporada por forças da OTAN.
Esse sucesso também é visto por analistas como um motivo para a recente pressão dos EUA sobre o Brasil. Para o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, a ofensiva de Washington contra a Saab pode ter mais a ver com o desempenho da Embraer do que com supostas irregularidades contratuais.
“A ação reflete a frustração dos americanos diante do protagonismo que o KC-390 vem conquistando no mercado internacional. É uma manobra para proteger interesses econômicos próprios”, afirmou Aragão.
A nova rota da seda e o tabuleiro global
O cenário geopolítico em que o Brasil se insere atualmente é complexo. Além da aproximação com a Suécia e da parceria com a Embraer, o país também tem sinalizado interesse em integrar a Nova Rota da Seda — projeto liderado pela China para expandir sua influência por meio de investimentos em infraestrutura.
A possível adesão brasileira incomoda a Casa Branca, que vê na Iniciativa do Cinturão e Rota uma ameaça à sua hegemonia nas Américas. A visita iminente do presidente chinês Xi Jinping ao Brasil pode consolidar essa aproximação.
De acordo com Rafael Valim, sócio do escritório Vardí Advogados, a reação dos EUA à compra dos Gripen é apenas um capítulo de uma estratégia mais ampla de contenção. “A Lei de Práticas de Corrupção no Exterior tem sido usada como instrumento político para enfraquecer competidores. É lawfare puro”, afirmou o jurista à CartaCapital.
Lawfare geopolítico: o Brasil é o segundo maior alvo
Segundo levantamento citado pela CartaCapital, o Brasil é o segundo país mais visado por ações baseadas na lei anticorrupção americana, ficando atrás apenas da China. Das 43 ações contra o país asiático, o Brasil aparece logo depois com 24, evidenciando um padrão de comportamento do Departamento de Justiça dos EUA em relação às potências emergentes — especialmente aquelas que integram o BRICS.
Artur Pinheiro Di Zevito Banzato, professor de Relações Internacionais da UFGD, afirma que os países do Sul Global se tornaram alvos preferenciais desse tipo de abordagem. “É uma forma disfarçada de influência. Quem ameaça a liderança global dos EUA, paga o preço.”
Brasil na encruzilhada: desafio à soberania ou oportunidade histórica?
O atual momento representa uma encruzilhada para o Brasil. De um lado, o país avança na modernização da Força Aérea com os caças Gripen e fortalece sua indústria de defesa. De outro, enfrenta pressões externas que testam sua soberania e sua capacidade de tomar decisões autônomas em temas estratégicos.
O discurso oficial brasileiro tem sido de firmeza. O presidente Lula já classificou a atuação americana como ingerência injustificada, enquanto o advogado-geral da União, Jorge Messias, criticou os “interesses escusos de Washington” e a tentativa de minar decisões soberanas por vias jurídicas.
A disputa, no entanto, não deve se encerrar tão cedo. As tensões entre grandes potências e países emergentes tendem a se intensificar, especialmente em setores de alta tecnologia e defesa.
O jogo de interesses está longe de acabar
O caso envolvendo os caças Gripen e a intimação da Saab mostra como o Brasil está inserido em um jogo global onde interesses comerciais, estratégicos e políticos se sobrepõem.
Ainda que China, Rússia e outras potências também atuem com suas agendas, o Brasil parece ter se tornado uma peça-chave no xadrez geopolítico atual — seja como alvo, parceiro ou contraponto.
À medida que fortalece sua Força Aérea, consolida a parceria com a Suécia e avança em novas alianças, o país precisará adotar medidas firmes para proteger sua soberania e manter o controle sobre suas escolhas estratégicas.