Revista Sociedade Militar, todos os direitos reservados.

Após espionagem do governo brasileiro sobre governantes do Paraguai, Polícia Federal investiga possível invasão de privacidade pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) sobre cidadãos brasileiros

por Alisson Ficher Publicado em 03/04/2025
Após espionagem do governo brasileiro sobre governantes do Paraguai, Polícia Federal investiga possível invasão de privacidade pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) sobre cidadãos brasileiros

Nos últimos tempos, o tema da espionagem digital e da vigilância cibernética tem ganhado grande destaque no cenário político brasileiro.

Um novo caso revelou a utilização de softwares avançados por agências de inteligência para monitorar tanto autoridades estrangeiras quanto cidadãos.

Este episódio, que remonta a uma investigação em curso sobre a ação hacker contra o governo paraguaio, agora envolve a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e levanta preocupações sobre possíveis violações da privacidade dos brasileiros.

A conexão com o governo paraguaio e a espionagem digital

O caso começou a ganhar notoriedade após uma reportagem do portal UOL, que trouxe à tona uma ação hacker direcionada a integrantes do governo do Paraguai.

O objetivo dessa ação, conforme informações obtidas pelo colunista Aguirre Talento, era acessar informações sigilosas relacionadas à negociação de tarifas da Usina Hidrelétrica de Itaipu, uma das maiores fontes de energia da América do Sul.

As investigações indicam que o planejamento dessa operação de espionagem cibernética teve início ainda durante o governo Bolsonaro (PL) e continuou sob a autorização do atual governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), através do diretor da Abin, Luiz Fernando Corrêa.

Software Cobalt Strike: a ferramenta envolvida na espionagem

De acordo com Aguirre Talento, a Polícia Federal (PF) descobriu que a Abin estava utilizando um software chamado Cobalt Strike.

Este é um programa legítimo amplamente utilizado por profissionais de segurança cibernética para testar vulnerabilidades e simular ataques hackers a fim de reforçar a proteção de sistemas.

Contudo, quando utilizado fora de um contexto de defesa, o Cobalt Strike também pode ser uma ferramenta poderosa nas mãos de hackers para realizar espionagem, roubo de dados e até mesmo instalar malwares.

A PF, agora, investiga se a Abin fez uso do Cobalt Strike de maneira indevida, especialmente para monitorar cidadãos brasileiros.

Primeiro, o First Mile; depois, o Cobalt Strike: as ferramentas de vigilância

A investigação também revelou que a Abin não apenas operava o Cobalt Strike, mas também utilizava um outro programa chamado First Mile.

Este software tinha como principal função monitorar a localização de pessoas, fornecendo informações sobre os passos de indivíduos em tempo real.

O uso de tecnologias desse tipo por uma agência governamental levanta sérias questões sobre a proteção dos direitos dos cidadãos, já que os limites sobre o uso dessas ferramentas, no contexto de privacidade, ainda são nebulosos.

O fato de a Abin operar ferramentas tão sofisticadas, com potencial para espionagem de grande escala, coloca em questão os mecanismos de controle e fiscalização sobre essas agências.

O governo brasileiro, que possui um aparato de inteligência com vastos recursos tecnológicos, tem a responsabilidade de garantir que tais tecnologias sejam usadas apenas em situações que estejam plenamente dentro dos limites da lei.

O que está em jogo? O risco de uma vigilância em massa

A Polícia Federal investiga se a Abin utilizou o Cobalt Strike ou o First Mile para realizar espionagem contra cidadãos brasileiros.

Caso seja confirmada a utilização dessas ferramentas para monitorar pessoas sem a devida autorização judicial, o caso se tornará um grave escândalo de violação de privacidade e abuso de poder.

A depender da resposta da investigação, o episódio poderá gerar um debate ainda mais acirrado sobre o controle das agências de inteligência e os limites éticos no uso de tecnologias avançadas por governos.

Como observou Aguirre Talento, a grande preocupação é saber se a Abin, ao utilizar tecnologias de monitoramento contra autoridades estrangeiras, tem garantias suficientes de que essas ferramentas não serão usadas contra seus próprios cidadãos.

Afinal, se a agência tem à sua disposição ferramentas poderosas de espionagem, quais são as salvaguardas que asseguram que elas não serão usadas de maneira indiscriminada, para além dos limites legais e constitucionais?

A Abin e o controle sobre a vigilância: questões legais e éticas

A Abin, como uma agência federal de inteligência, está autorizada a conduzir operações de vigilância e coleta de informações em prol da segurança nacional.

No entanto, essa autorização é cercada de regras e limitações.

O uso de tecnologia de espionagem, como o Cobalt Strike e o First Mile, para monitorar indivíduos sem uma justificativa clara e sem o devido respaldo jurídico, pode ser considerado uma violação de direitos fundamentais.

Além disso, a questão ética também entra em jogo.

As agências de inteligência, que lidam com informações sensíveis e têm acesso a tecnologias capazes de invadir a privacidade de qualquer pessoa, devem operar sob uma estreita vigilância pública e institucional.

O uso excessivo e sem transparência dessas ferramentas pode resultar em um estado de vigilância em massa, o que seria um retrocesso nas conquistas democráticas do país.

Impacto na confiança pública e no Estado de Direito

Este caso expõe uma fragilidade no sistema de controle sobre as agências de inteligência brasileiras.

A utilização indevida de tecnologias de espionagem, se confirmada, poderá gerar um impacto devastador na confiança do público nas instituições governamentais.

Os cidadãos têm o direito de saber que suas comunicações e dados pessoais estão protegidos de abusos, especialmente quando se trata de agências que deveriam atuar exclusivamente em defesa da segurança nacional, e não para a vigilância de seus próprios cidadãos.

Ainda mais relevante é a forma como esse episódio pode abalar o próprio princípio do Estado de Direito no Brasil.

A vigilância sem garantias legais adequadas pode colocar em risco a liberdade e a privacidade dos indivíduos, que são direitos fundamentais de qualquer democracia.

Alisson Ficher

Alisson Ficher