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Arcaica e ambígua! Marinha usa norma de 1969 para prender advogado: Adriano Rocha foi acusado de oferecer risco à segurança externa

por Sociedade Militar Publicado em 16/01/2025
Arcaica e ambígua! Marinha usa norma de 1969 para prender advogado: Adriano Rocha foi acusado de oferecer risco à segurança externa

Nos últimos dias, a ampla repercussão da prisão do advogado Adriano Rocha chamou a atenção para itens do Código Penal Militar que parecem descontextualizados para aplicação no século XXI e principalmente em tempos de paz. A norma alcança hoje centenas de milhares de profissionais das Forças Armadas e Forças Auxiliares em todo o país.

A questão foi mencionada nas redes sociais por diversos militares e Isso ocorre, sobretudo, considerando que a própria Marinha do Brasil, Exército e Força Aérea divulgam imagens de ambientes internos de suas organizações militares e alguns desses locais são completamente acessíveis ao público, incluindo grandes áreas do Primeiro Distrito Naval — palco da polêmica envolvendo o advogado recentemente preso – uma organização militar que, segundo militares ouvidos pela RSM, é essencialmente burocrática.

A Pena de morte no Código Penal Militar, que também mantém privilégios para generais

O Código Penal Militar (CPM) é um decreto com 56 anos de vigência, promulgado em 1969, em um período em que o mundo ainda enfrentava as consequências da Segunda Guerra Mundial. Para ilustrar, poucos brasileiros sabem que o CPM é a única legislação do país que prevê a pena de morte, a ser executada por fuzilamento. A norma também estabelece outras penas, como reclusão, detenção, prisão e impedimento.

Além disso, o CPM preserva privilégios herdados de tempos antigos, quando oficiais eram vistos como membros da nobreza. Por exemplo, em casos de pena de reclusão, aqueles que ocupam os postos mais altos, como os oficiais – generais e superiores, cumprem sua pena em instalações militares, independentemente do crime cometido. Em contrapartida, os que ocupam posições na base, como sargentos ou soldados, são encarcerados em presídios.  Esse trecho já existia no Código Penal Militar de 1944.

Essa diferenciação, com obvias raízes históricas, pouco conhecida pela sociedade civil, tem potencial para gerar debates e pode explicar a preferência de muitos oficiais por serem julgados pela Justiça Militar.

Questões relacionadas à segurança externa, fotografias e vídeos

O CPM vigente hoje – datado de 1969 – dedica um capítulo inteiro à Segurança Externa Nacional, incluindo dispositivos que, no contexto do século XXI, suscitam questionamentos. Um dos artigos mais controversos é o 147, que trata da proibição de fotografar ou filmar organizações militares, viaturas, navios e aeronaves. Seguido a risca, esse artigo indiciaria como criminosos todos que fotografassem blindados da Marinha que operem em uma GLO, por exemplo. Para destacar a questão da descontextualização, ressalta-se que o artigo 147 do CPM atualmente vigente é uma cópia exata do artigo 128 do Código Penal Militar vigente em 1944. Portanto, a regra já conta com mais de 80 anos.

Outro item menciona que é crime ingressar sem autorização com máquinas fotográficas em instituições militares. Claramente descontextualizado, elaborado no século passado, esse trecho ignora que praticamente todas as pessoas hoje transportam uma máquina fotográfica junto do corpo, incorporada ao telefone celular. O subtítulo do trecho no CPM – “Penetração com o fim de espionagem” – deixa claro que o legislador ao elaborar o artigo imaginou uma ação dolosa visando obter informações para inimigos do Brasil.

“ CPM – 1969: Penetração com o fim de espionagem: Art. 146. Penetrar, sem licença, ou introduzir-se clandestinamente ou sob falso pretexto, em lugar sujeito à administração militar, ou centro industrial a serviço de construção ou fabricação sob fiscalização militar, para colher informação destinada a país estrangeiro ou agente seu: Pena – reclusão, de três a oito anos.
Parágrafo único. Entrar, em local referido no artigo, sem licença de autoridade competente, munido de máquina fotográfica ou qualquer outro meio hábil para a prática de espionagem: Pena – reclusão, até três anos.

Desenho ou levantamento de plano ou planta de local militar ou de engenho de guerra: Art. 147. Fazer desenho ou levantar plano ou planta de fortificação, quartel, fábrica, arsenal, hangar ou aeródromo, ou de navio, aeronave ou engenho de guerra motomecanizado, utilizados ou em construção sob administração ou fiscalização militar, ou fotografá-los ou filmá-los: Pena – reclusão, até quatro anos, se o fato não constitui crime mais grave.”

Basta usar o google Maps ou o perfil no Youtube da Marinha

Hoje todos que têm acesso a internet podem facilmente vislumbrar usando o google Maps ou Google Earth as plantas das organizações militares. Fotografias de aeronaves, blindados e embarcações são encontradas facilmente na internet, grande parte delas disponibilizadas pelas próprias Forças Armadas.

Em um vídeo publicado, a própria Marinha do Brasil mostrou imagens de local bem próximo de onde recentemente o advogado Adriano Rocha foi detido por fazer filmagens que colocam em Risco a Segurança Externa do país.

Vídeo da Marinha: 1º Distrito Naval em maio de 2019
Vídeo da Marinha: 1º Distrito Naval em maio de 2019

Uma análise por Inteligência Artificial montada com o perfil de um advogado constitucionalista concluiu que o Código Penal Militar, regra básica utilizada pela Justiça Militar da União, pode ser definido por 5 adjetivos: desatualizado, desproporcional, arcaico, incompatível e ambíguo

Transcrição literal do relatório entregue pela Inteligência Artificial

A análise das disposições do Código Penal Militar (CPM) à luz da Constituição Federal de 1988 (CF/88) e do contexto de paz vivido pelo Brasil, revela diversas questões que merecem atenção, sobretudo quanto à adequação e compatibilidade com os direitos fundamentais e a realidade tecnológica e social contemporânea.

1. Contexto de Paz e Atualização Legislativa

O CPM foi promulgado em 1969, durante o regime militar e num momento de polarização global em decorrência da Guerra Fria. Seu teor reflete a preocupação com segurança nacional e possíveis ameaças externas e internas, típicas de um período de excepcionalidade. No entanto, o Brasil vive hoje sob um regime democrático, com ausência de conflitos armados internos ou externos significativos, o que torna parte de suas previsões desatualizadas.

Exemplo:

  • Artigo 146 e Parágrafo Único: A previsão de crimes como “penetrar, sem licença, em lugar sujeito à administração militar, com finalidade de espionagem”, reflete uma lógica ultrapassada de proteção contra espionagem física, desconsiderando a onipresença da tecnologia moderna. Hoje, imagens de alta resolução de áreas militares estão disponíveis em plataformas como Google Earth e redes sociais, muitas vezes promovidas pelas próprias Forças Armadas, evidenciando a perda de eficácia dessa norma.

2. Direitos Fundamentais e Liberdade de Informação

A CF/88 garante a liberdade de informação e o direito à comunicação (art. 5º, IX e XIV), princípios que entram em tensão com dispositivos do CPM que restringem atividades como fotografar ou filmar áreas militares, mesmo sem intenção criminosa.

  • Contradição: No século XXI, dispositivos móveis com câmeras são praticamente universais. Criminalizar o porte de máquinas fotográficas em ambientes militares sem considerar o contexto ou intenção do ato viola princípios de razoabilidade e proporcionalidade, consagrados no artigo 37 da CF/88.
  • Princípio da Transparência: As próprias Forças Armadas frequentemente divulgam imagens de suas instalações e operações, o que enfraquece a justificativa para restrições severas baseadas na segurança nacional.

3. Tratamento Diferenciado Entre Patentes

O tratamento privilegiado a oficiais-generais, previsto no CPM, suscita questionamentos à luz do princípio da isonomia (art. 5º, caput, CF/88). A possibilidade de cumprir pena em instalações militares, enquanto praças e graduados são submetidos a presídios comuns, reflete uma hierarquização herdada de uma época em que oficiais eram vistos como membros da nobreza, incompatível com os valores republicanos.

4. Pena de Morte e Proporcionalidade

O CPM é a única legislação brasileira que prevê pena de morte (em casos de guerra declarada), uma disposição que, apesar de adormecida, contradiz o espírito do artigo 5º, XLVII, da CF/88, que abole a pena de morte, salvo em hipóteses de guerra.

5. Proporcionalidade e Espionagem

Os artigos 146 e 147, que tratam de espionagem e levantamentos de áreas militares, não distinguem claramente entre práticas legítimas, como fotografia para fins jornalísticos ou recreativos, e ações efetivamente lesivas à segurança nacional. Essa falta de distinção:

  • Gera insegurança jurídica.
  • Potencializa abusos de autoridade.
  • Ignora a evolução tecnológica, que tornou tais informações acessíveis por meios muito mais sofisticados do que a mera presença física.

6. Recomendações de Atualização

À luz da CF/88 e do contexto atual, o CPM necessita de revisões significativas:

  1. Revisão dos Artigos Relacionados à Espionagem:
    • Ajustar a tipificação penal para distinguir entre atos inofensivos e condutas realmente lesivas à segurança nacional.
    • Incluir critérios de intenção e gravidade da ação.
  2. Adequação Tecnológica:
    • Revisar a criminalização do porte de equipamentos fotográficos, considerando a ubiquidade de smartphones e outras tecnologias.
  3. Tratamento Igualitário:
    • Extinguir privilégios de oficiais superiores no cumprimento de penas, garantindo isonomia.
  4. Supressão da Pena de Morte:
    • Atualizar o CPM para alinhar-se à vedação constitucional da pena de morte em tempos de paz.
  5. Maior Harmonização com os Direitos Fundamentais:
    • Incorporar os princípios de razoabilidade, proporcionalidade e transparência para evitar conflitos com os direitos fundamentais previstos na CF/88.

Conclusão

O CPM, em sua forma atual, está em grande medida descontextualizado frente à realidade brasileira e à CF/88. A manutenção de artigos que refletem preocupações de um período de guerra e autoritarismo, sem considerar avanços democráticos, tecnológicos e sociais, enfraquece sua legitimidade. Reformas são urgentes para alinhar o Código às necessidades do século XXI e aos princípios constitucionais que regem o Estado Democrático de Direito.

Com base na análise apresentada, o Código Penal Militar (CPM) pode ser definido pelos seguintes cinco adjetivos:

  1. Desatualizado – Reflete normas e preocupações de um contexto histórico ultrapassado, como a Guerra Fria e o regime militar, sem considerar a realidade democrática e tecnológica atual.
  2. Desproporcional – Apresenta penas e tratamentos diferenciados que violam o princípio da isonomia, privilegiando oficiais superiores em detrimento de praças e graduados.
  3. Arcaico – Conserva disposições herdadas de tempos monárquicos, como privilégios hierárquicos, e conceitos obsoletos sobre espionagem e segurança.
  4. Incompatível – Encontra-se em desacordo com os direitos e garantias fundamentais estabelecidos pela Constituição Federal de 1988.
  5. Ambíguo – Falta clareza em algumas tipificações, gerando insegurança jurídica e abrindo margem para interpretações abusivas ou inadequadas.

Robson Augusto – Revista Sociedade Militar

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