Caso Guadalupe, uma amostra do horror da guerra. Ministra do STM pede vista no processo que condenou 8 militares em 2021

Não é fácil a vida do soldado. Estar na frente de batalha, portando um fuzil carregado, pronto para atirar e ao mesmo tempo sendo alvo do inimigo.
Porém, pior do que ter de decidir entre atirar ou não, entre matar ou poupar a vida de terceiros é ter de enfrentar aquele que nos quartéis se chama de “capa preta” – epíteto pelo qual os juízes são conhecidos – sozinho, destacado da cadeia de comando.
Um exemplo dessa situação foi vivido pelos militares envolvidos no chamado “Caso Guadalupe”. O julgamento de primeiro grau ocorreu em outubro de 2021, com a condenação de oito réus.
RELEMBRE O CASO
Os militares do Exército responderam na Justiça Militar da União (JMU) pelas mortes do músico Evaldo Rosa dos Santos e do catador de latinhas Luciano Macedo, por homicídio doloso.
Na ocasião, os militares também foram condenados por tentativa de homicídio contra Sergio Gonçalves de Araújo, sogro de Evaldo. A pena maior foi imposta ao tenente que exercia a função de comandante do grupo de combate: 31 anos e 6 meses de reclusão.
Os demais militares foram condenados a 28 anos de reclusão e também excluídos dos quadros do Exército, por não serem oficiais e terem penas superiores a dois anos. Todos os réus puderam recorrer do julgamento em liberdade.
As mortes ocorreram durante uma ação de patrulhamento do Exército na área da Vila Militar em Guadalupe, na Zona Norte do Rio de Janeiro, em abril de 2019.
Os militares foram denunciados por homicídio qualificado de Evaldo e Luciano e por tentativa de homicídio qualificado de Sérgio (sogro de Evaldo).
GLO NÃO É POLÍTICA, MAS AMOSTRA DE GUERRA
A GLO se prestou a ser arma política de militares de alta patente que ocuparam o governo federal entre 2019 e 2022. Contudo, na prática ela é instrumento constitucional delicado e que pode se tornar uma caixa de pandora, uma verdadeira amostra do horror da guerra.
Conquanto seja terrível a situação geral, as perdas de vidas dos cidadãos envolvidos na operação, lendo o processo do “Caso Guadalupe”, chamou-nos a atenção a argumentação do advogado de defesa dos militares.
Em defesa oral, o advogado Rodrigo Roca, que defende os militares, disse que a ação dos réus foi um “erro plenamente justificado pelas circunstâncias“.
“Os militares se depararam com uma situação praticamente impossível de acontecer. Eles foram defender o cidadão de bem. Eles agiram em legítima defesa por entenderem que estavam em confronto em uma área de conflito. Eles teriam sido informados sobre um assalto na região e entrado em confronto com bandidos, que fugiram. Na perseguição, teriam confundido o carro do músico, que já teria uma marca de bala, com o dos criminosos. O local era de conflito, o local estava em pleno conflito e eles haviam deixado, aliás, estavam o dia inteiro no combate. Há um pano de fundo que precisa ser considerado. É o que as Forças Armadas esperam de seus militares”.
A defesa também informou que os militares estavam em missão, fardados e cumprindo ordens.
“No Código Penal Militar, é isento de pena quem atua supondo uma situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Se é preciso um pretexto jurídico para desvendar essa ação humana, é este“, acrescentou Roca, que pediu a absolvição dos réus, a alteração por homicídio culposo ou a redução da pena dos militares.
O ministro relator considerou a possibilidade de ocorrência de um crime impossível, em face da impropriedade do objeto, da possibilidade de a vítima já estar morta em razão do primeiro fato – momento da troca de tiro com os meliantes.
Como não havia certeza absoluta dessa circunstância, foi invocada a dúvida a favor dos acusados.
Há alguns dias, a ministra do Superior Tribunal Militar (STM), Maria Elizabeth Rocha, pediu vista em relação à Apelação que aprecia o “Caso Guadalupe”