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Quanto custava a construção de um castelo medieval?

por Rafael Cavacchini Publicado em 10/10/2023
Quanto custava a construção de um castelo medieval?

Os castelos como conhecemos hoje foram introduzidos na Inglaterra em 1066, durante a invasão normanda liderada por Guilherme, o Conquistador. Após a vitória na Batalha de Hastings, os normandos se estabeleceram por lá, construindo castelos por todo o país para controlar o território recém-conquistado e também para pacificar a população anglo-saxônica.

Esses primeiros castelos eram principalmente do tipo “motte e bailey”. O “motte” era composto por um grande monte de terra com uma torre de madeira no topo, enquanto o “bailey” era uma grande vala que cercava o “motte”

Os primeiros castelos eram, portanto muito simples; a vala, o monte de terra e uma paliçada de madeira, conforme conta o historiador amador Stephen Tempest, no Quora.

Mota Terra Maris em Oostkapelle, Holanda. Esse tipo de fortificação era muito comum no século XI, na Inglaterra e Irlanda. Foto: Divulgação

O financiamento desse tipo de empreendimento dependeria do local e da época. Os primeiros castelos, como os que os normandos construíram na Inglaterra e na Irlanda imediatamente após a sua conquista, foram construídos muito rapidamente, utilizando apenas recursos locais. Na ocasião, a “tributação” do início do período medieval consistia principalmente uma questão de recrutar pessoas para os serviços de trabalho por um determinado período de tempo por ano. Ou ainda, de requisitar-lhes alimentos e recursos.

Os recrutados poderiam então ser colocados para trabalhar na construção do castelo, entre outras funções.

Uma verdadeira fortuna

Castelos de pedra mais elaborados eram bem mais complexos e caros. Essas fortificações precisavam de trabalhadores qualificados que eram devidamente pagos pelo serviço. Ou, no mínimo, recebiam comida, alojamento e outras necessidades às custas do seu empregador.

Para construir o castelo de Beaumaris, por exemplo, o mestre James of St George, ou Tiago de São Jorge, foi designado o arquiteto responsável. Em um dos registros constam que em uma única semana foram empregados milhares de trabalhadores. 

James, ou Tiago, escreveu aos seus patrões sobre o evento:

Caso você se pergunte para onde tanto dinheiro poderia ir em uma semana, gostaríamos que você soubesse que precisávamos – e continuaremos a precisar de 400 pedreiros, tanto cortadores quanto assentadores, junto com 2.000 trabalhadores menos qualificados, 100 carroças, 60 vagões e 30 barcos trazendo pedra e carvão marinho; 200 mineiros; 30 ferreiros; e carpinteiros para colocar as vigas e tábuas do piso e outros trabalhos necessários. Tudo isso não leva em conta a guarnição… nem as compras de material. Dos quais deverá haver uma grande quantidade… Os salários dos homens estiveram e ainda estão muito atrasados, e estamos tendo a maior dificuldade em mantê-los porque eles simplesmente não têm com que viver. 

Castelo de Beaumaris visto de cima. Foto: Wikimedia Commons

Um empreendimento tão grande estava fora do alcance de qualquer um, exceto dos monarcas mais ricos e poderosos. O Rei Eduardo teve de angariar o dinheiro indo ao Parlamento – uma nova instituição na época – suplicando-lhes que aprovassem um imposto especial sobre a propriedade. Esse imposto consistia em nada menos do que 10% para quem vivia nas cidades e 6,7% para quem vivia nos distritos rurais.

Esta taxa foi apresentada como um imposto especial e único de emergência porque o reino estava em guerra.

Eduardo recebeu seu dinheiro porque era um governante forte e popular e porque ofereceu muitas concessões ao Parlamento, como dar-lhes o direito de apresentar petições e levantar questões que preocupassem sua atenção. Além disso, deu ao Parlamento o papel de legislar, tornando-o assim uma instituição importante dentro do sistema de governo inglês. Era, é claro, ainda subordinado ao poder real, mas isso mudaria rapidamente no futuro. O princípio de que a tributação especial tinha de ser aprovada pelo Parlamento voltaria a assombrar os futuros monarcas com sonhos absolutistas.

Doações ajudavam na empreitada

Outro programa notável de construção de castelos ocorreu em Outremer, a terra dos Cruzados. O Reino de Jerusalém não tinha o poder financeiro e militar dos reis da Inglaterra, mas, em contrapartida, possuía muitos doadores e simpatizantes ricos. O Papa, o Rei de França e o Imperador da Alemanha, todos, numa altura ou noutra, enviaram dinheiro para ser gasto na construção de castelos e fortificações na Terra Santa.

As ordens de cavaleiros arrecadaram muito dinheiro com doações, propriedades de terras e bancos em toda a Europa. Boa parte disso foi parar em castelos e fortificações.

Cerco de Acre (1189-1191), pintura de 1291. Fortificações sólidas de pedra feitas com doações de monarcas e religiosos. Foto: Wikimedia Commons

Finalmente, havia a opção de um senhor gastar o seu próprio dinheiro num castelo. Uma simples fortificação de madeira e terra era fácil de construir, mas um castelo de pedra esgotava os recursos de uma família inteira. A construção, portanto, muitas vezes, durava décadas, ou até mesmo gerações.

Mas afinal, quanto custava construir um único castelo medieval?

O Bacharel em Psicologia e História Mike Buckley escreve, no Quora, sobre a construção do Castelo de Conwy, do século 13. A empreitada custou na época a bagatela de 15.000 libras.

15.000 libras representavam cerca de 12% de toda a moeda em circulação na ocasião. Com 80 bilhões de libras em circulação no Reino Unido no ano passado, isto seria o equivalente a pouco menos de 10 bilhões de Libras.

Isso falando apenas de custos de construção, não de manutenção, armamento, abastecimento, soldos ou quaisquer outros custos.

Vista da enorme muralha defensiva do castelo de Cowny e do portal original. Foto: Wikimedia Commons

O castelo, no entanto, impressiona. Estendendo-se quase ininterruptamente ao redor do coração medieval de Conwy, as muralhas do castelo percorrem surpreendentemente mais de um quilômetro, com 21 torres e três portões ao longo de sua extensão.

Tempos eram outros

Há uma coisa a lembrar que não se aplica mais. Numa sociedade pré-industrial, há períodos de intensa necessidade de mão de obra duas vezes por ano, durante a época de plantio e colheita. Depois haveria um período intermediário de baixa atividade.”, escreve Tomaž Vargazon, PHD em Comunicação e História, no Quora.

Uma típica atividade de verão para um típico camponês da era medieval. Foto: Sem Título (Garoto dormindo no campo), 1880, do sueco Johnny Forsstrom

Vargazon observa que, antes dos tratores e outras máquinas, eram necessários muitos homens em boa forma nos campos, do amanhecer ao anoitecer. Assim, esse período durava cerca de 2 a 3 semanas, duas vezes por ano. Todavia, entre esses dois períodos, o trabalho seria mais leve.

Inegavelmente, ainda seria preciso cuidar dos animais e da horta, do pomar, e assim por diante. No entanto, boa parte dessas tarefas eram realizadas por mulheres e crianças. A quantidade de trabalho por homem adulto seria talvez de 20 horas de trabalho por semana, as vezes, até menos.

“Isso significa que você tem centenas de homens sem muito o que fazer durante vários meses do ano.”, pontua o historiador. “Pensa-se que alguns megaprojetos, em particular as pirâmides egípcias, tiveram origem como obras públicas, a fim de dar aos camponeses ociosos sobretudo algo de que se orgulhassem e que os deixassem longe de problemas durante os meses de carga de trabalho leve. O custo era principalmente comida que o governo tinha em certa abundância.”, conclui Vargazon.

Sinal de poder

Evidentemente, construir um castelo era extremamente caro. Os Templários gastaram cerca de 1,1 milhão de ouro sarraceno apenas para reconstruir/renovar seu castelo em Safad em meados do século XIII, de acordo com registros. No dinheiro de hoje, isso varia entre 11 e 22 bilhões de dólares. 

Assim, o custo de construção de um castelo de primeira linha e de última geração era semelhante ao custo de construção de um porta-aviões moderno.

Ruínas do antigo castelo de Safed. Foto: Wikimedia Commons

Os primeiros castelos de madeira provavelmente não eram mais caros de construir do que os navios de madeira usados pelas marinhas medievais. No entanto, ainda eram, e sempre foram, expressões de poder político e desempenhavam uma variedade de funções governamentais e defensivas.


Revista Sociedade Militar

Fontes: McNeill, 1992 / National Archives / Quora / Wikipedia

Rafael Cavacchini

Rafael Cavacchini

Nascido na cidade de Itu, interior de São Paulo, Rafael Cavacchini é empresário, radialista, jornalista e ator. Apaixonado por arte, é ator de teatros desde 2013, participando em peças que vão de tragédias clássicas a musicais. É também radialista no programa “A Kombi Desgovernada”, sucesso em três estações de rádio desde 2015. Começou a escrever muito cedo, inicialmente por hobby. Mas foi apenas em 2011 que transformou o prazer em profissão, quando entrou para o quadro de jornalistas convidados da Revista SuplementAção. Em 2015, tornou-se colunista no Portal Itu.com.br e, no mesmo ano, jornalista convidado da Revista Endorfina. Foi escritor e tradutor do Partner Program do site Quora, uma rede social de perguntas e respostas e um mercado de conhecimento online, com sede em Mountain View, Califórnia. Sua visibilidade no Quora chamou a atenção da equipe da Revista Sociedade Militar. Faz parte do quadro da RSM desde fevereiro de 2023, tendo escrito centenas de artigos e reportagens.