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Força Aérea transforma juízes e desembargadores em militares honorários

por JB Reis 15/05/2023
Força Aérea transforma juízes e desembargadores em militares honorários

O princípio da separação dos Poderes encontra previsão no art. 2º da Constituição Federal, ao dispor que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Espera-se, portanto, que cada um dos Poderes e, por extensão, seus representantes, exerça suas competências com imparcialidade, sem se ater às possíveis consequências que tal exercício venha a provocar nos outros dois. Esse é o ordenamento constitucional e é o que a sociedade espera.

Prática comum em governos oligárquicos, o patrimonialismo – método de se administrar a coisa pública como se privada fosse – é a tendência de que alguns indivíduos em cargos de determinado órgão ou cargo tentem influir em outros para benefício próprio ou de uma classe específica.

Ao confundir-se a fronteira entre o que é particular e o que é público, administração e administradores, que deveriam submeter-se docilmente a princípios como igualdade, moralidade, impessoalidade, etc., podem tornar-se objeto ou sujeitos de artimanhas e de subterfúgios para fazer valer a vontade de alguns.

Os casos descritos na reportagem da Revista IstoÉ que tratava das concessões de medalhas do ex-presidente Jair Bolsonaro a membros de sua própria família são emblemáticos e fornecem exemplo característico do que tratamos aqui.


POMPA E CORDIALIDADE INSTITUCIONAL

No gigantesco organismo estatal brasileiro, não há rival para as Forças Armadas quando se trata de cerimonial, pompa e circunstância. Os enormes espaços abertos da maioria das organizações militares com uma grande tropa ordenada e obediente ao comandante do quartel suscitam uma impressão, que para muitos, é difícil de esquecer.

FORMATURA DE CADETES NA ACADEMIA MILITAR DO EXÉRCITO

Imóveis descomunais em áreas cobiçadas, tanques poderosos, navios imponentes, aeronaves de guerra, tudo isso guiado por homens e mulheres capazes e disciplinados, e todo esse bloco inquestionavelmente poderoso nas mãos de uns poucos homens, é algo certamente sedutor.

ARTILHARIA

A percepção superficial de que todo aquele conjunto aparentemente impecável está submetido às ordens de um só homem (ou de uma cúpula destacada) mistura-se à percepção subconsciente de que o mesmo conjunto é atributo e posse legítima desse homem (ou dessa cúpula). Aos que não são habituados à vida militar essa confusão não é muito rara…

AVIÕES DE CAÇA DA FAB

Quem não gostaria de fazer parte disso? Quem não gostaria de estar perto desses “poucos homens”?


INFLUÊNCIA SUBLIMINAR

Em 2021, uma Reportagem da Revista Sociedade Militar revelou a “a caixa preta das medalhas” da Marinha do Brasil. Naquela época, políticos de diversos matizes foram agraciados com medalhas de todos os tipos, de maneira indiscriminada e com mínima ou quase nenhuma satisfação ao princípio da publicidade constitucional.

A exemplo da Marinha, a Força Aérea Brasileira tem dezenas de medalhas, umas criadas por decretos presidenciais e outras por lei. Curiosamente existe um instrumento chamado de diploma de “Membro Honorário da Força Aérea Brasileira”, que não é regulado por lei nem por decreto, mas por portaria interna da Força.

Clique aqui para acessar a página de CONDECORAÇÕES E MEDALHAS da FAB

Alguém que é membro honorário é geralmente um indivíduo que, apesar de não preencher os requisitos para ser um membro nato, tem fornecido pela instituição esse título, em geral como reconhecimento por sua contribuição significativa para a instituição. 

A honraria de ser um membro honorário não é algo estranho às Forças Armadas.


GRATIDÃO E IMPARCIALIDADE

Em 2012, o senhor Dudevant S. T. foi agraciado pelo Exército brasileiro como 3º Sargento Honorário do Exército, tendo prestado pela primeira vez, e em forma, o compromisso à Bandeira Nacional.  O sargento Dudevant não recebe salário nem tem vínculo com a profissão militar, exceto o vínculo de honra e de gratidão da Força pelos serviços que ele já havia prestado pela instituição. 


Uma olhada rápida no almanaque dos agraciados como membros honorários da Força Aérea, dá-nos os seguintes números e profissionais (alguns do Poder Judiciário) contemplados ao longo dos anos:

  • 17 desembargadores,
  • 29 juízes,
  • 55 advogados,
  • 8 advogados da União,
  • 29 procuradores (entre eles um Procurador Chefe da União).

Como dito anteriormente, a capacidade que as Forças Armadas naturalmente têm, devido a todos os recursos humanos e materiais à disposição de seus líderes, para impactar emotiva e até psicologicamente seus agraciados com diplomas e medalhas não pode ser menosprezada. 

Desembargadores, que são juízes de segunda instância – chamados por isso de “juízes de juízes”, pois podem rever as decisões dos juízes de primeira instância e modificá-las – quando virem suas medalhas ou seus diplomas de honra precisarão ter um duplo senso de isenção e imparcialidade para separar o que é privado do que é público. 

Muitos processos contra as Forças Armadas, inclusive a Força Aérea, passarão por essas pessoas. Elas terão a isenção de ânimo e a clareza mental suficientes para não julgarem de forma a beneficiar a instituição que as “adotou” como “membros de honra”?


A VOZ DO POVO

A maioria das opiniões dos leitores da Revista Sociedade Militar nos artigos sobre o assunto leva-nos à conclusão de que muitos acreditam que, embora haja previsão legal para os atos de condecoração, na verdade, o fato em si – o oferecimento de uma medalha ou de um diploma – ganha foro de um ato político, uma espécie de chamamento para perto, um agrado que pretende angariar simpatia de pessoas influentes e que em alguma oportunidade venham a decidir a favor das Forças Armadas.

Alguns comentários podem ser vistos abaixo.

JB Reis. Revista Sociedade Militar