Policia militar gasta R$ 33 milhões em 17 mil coletes à prova de balas que falharam em teste de segurança e colocam vidas em risco

A aquisição de coletes à prova de balas com falha em teste de resistência, pelo valor de R$ 33 milhões, coloca em xeque os critérios de licitação e expõe um risco direto à vida dos policiais de São Paulo
Imagine vestir um equipamento de proteção esperando que ele salve sua vida em uma troca de tiros, mas descobrir que ele falhou em testes básicos de segurança.
Foi exatamente isso que ocorreu com um lote de 17 mil coletes à prova de balas adquiridos pela Polícia Militar de São Paulo, cujo investimento público totalizou R$ 33 milhões.
Apesar de ser vendido como tecnologia de ponta, um dos coletes foi perfurado em um teste balístico, algo que deveria ser absolutamente inaceitável.
A compra foi conduzida pelo Centro de Material Bélico (CMB) da PM de SP e a entrega dos equipamentos começou ainda no final de 2024.
Contudo, um episódio ocorrido nos bastidores da licitação levantou sérias dúvidas sobre a lisura do processo e a real eficácia do produto.
Coletes reprovados passaram por reteste questionado
Segundo materia feita pelo ”Estadão”, a empresa responsável pela entrega é a francesa Protecop, representada no Brasil pelo chileno Victor Hugo Acuña Muñoz.
Segundo ele, os coletes estariam em conformidade com todos os padrões internacionais e nacionais de segurança, incluindo certificações como a NIJ 0101.06 do National Institute of Justice (EUA) e a Norma Técnica NT 03/2021 da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP).
No entanto, durante o teste balístico oficial, um dos coletes foi completamente perfurado, o que, de acordo com o edital, deveria ter resultado na desclassificação imediata da empresa.
O edital deixava claro: qualquer item transpassado resultaria na eliminação do fornecedor.
Apesar disso, a Protecop conseguiu apresentar uma nova amostra para ser testada novamente, com o argumento de que o colete anterior havia sido destruído por ser um “teste destrutivo”.
O pregoeiro aceitou o pedido, mesmo após três concorrentes contestarem formalmente a decisão.
Os recursos das empresas rivais foram negados.
Concorrência controversa e dúvidas sobre critérios técnicos
A empresa Coplatex, que havia liderado a concorrência, foi desclassificada por não passar no teste de flexibilidade.
A Inbra, terceira colocada, pediu para ser declarada vencedora após a falha da Protecop, mas teve sua solicitação rejeitada.
Mesmo com todas essas reviravoltas, a Protecop permaneceu como vencedora, e os coletes começaram a ser distribuídos aos policiais militares do estado.
O mais alarmante é que a decisão de reaplicar o teste apenas à amostra da Protecop, ignorando as outras empresas, gerou forte desconfiança no mercado e entre especialistas.
A justificativa técnica apresentada pela empresa é que os novos coletes trariam avanços em ergonomia, conforto e proteção.
Mas a questão permanece: como confiar em um equipamento que já falhou uma vez?
Empresas investigadas e histórico de problemas em contratos públicos
Além da polêmica envolvendo a atual licitação, algumas das empresas que participaram do processo já foram alvo de investigações e denúncias anteriores relacionadas a contratos públicos no Brasil.
Em 2021, por exemplo, a Coplatex, desclassificada por falhas técnicas no atual certame, foi citada em um relatório do Tribunal de Contas do Estado da Bahia por entregar coletes com validade vencida a agentes da polícia civil local.
Já a Inbra, que também concorreu neste edital, esteve envolvida em processos administrativos no estado do Paraná por suposta entrega de materiais fora das especificações previstas em contrato.
Esses episódios acendem um alerta para a necessidade de histórico técnico mais rigoroso nas análises de habilitação em compras públicas.
A repetição de fornecedores com problemas em diversos estados indica uma possível fragilidade nos mecanismos de controle compartilhado entre administrações estaduais.
Riscos reais para quem está na linha de frente
O verdadeiro impacto desta compra não está apenas nos R$ 33 milhões gastos, mas sim na vida dos profissionais de segurança que dependem desses coletes todos os dias.
Policiais enfrentam situações extremas, muitas vezes trocando tiros com criminosos fortemente armados.
Nessas horas, não há espaço para falhas técnicas, muito menos para testes indulgentes.
A imprevisibilidade da proteção oferecida por esses equipamentos, mesmo certificados, torna-se uma ameaça real.
Transparência na gestão de recursos públicos ainda é desafio
Em um momento de intensa cobrança por responsabilidade fiscal e transparência, casos como esse evidenciam falhas estruturais nos mecanismos de compras governamentais.
O processo que deveria garantir o melhor produto pelo menor preço, muitas vezes, acaba priorizando critérios que não colocam a vida em primeiro lugar.
O governo do Estado de São Paulo ainda não se manifestou oficialmente sobre o caso após a repercussão do teste balístico.
Enquanto isso, os coletes continuam sendo entregues e utilizados.