Irã quer desenvolver ciclo completo do combustível nuclear: mídia local cita o Brasil ao comentar declarações de Abbas Araghchi

O vice-ministro das Relações Exteriores do Irã, Abbas Araghchi, foi às redes sociais nesta sexta-feira (2) para reiterar o direito de seu país ao ciclo completo do combustível nuclear, garantido pelo Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP). A declaração ocorre num momento de impasse nas negociações indiretas com os Estados Unidos, em meio a novas ameaças de sanções e acusações de Washington.
“Repetir falsidades não mudará os fatos”, afirmou Araghchi, em uma publicação no X (antigo Twitter). “Como signatário fundador do TNP, o Irã tem todo o direito de possuir o ciclo completo do combustível nuclear.”
A fala foi uma resposta direta ao Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, que, em entrevista à Fox News, exigiu que o Irã suspendesse o enriquecimento de urânio e passasse a importar combustível nuclear. Rubio, que também atua como conselheiro interino de segurança nacional, afirmou que o programa iraniano representa “risco iminente de proliferação”, uma alegação que Teerã classifica como “politicamente motivada”, segundo informação do site iraniano Tehran Times.

“Segundo o TNP, ao qual o Irã aderiu em 1970, os países sem armas nucleares estão autorizados a desenvolver energia nuclear para fins pacíficos, incluindo enriquecimento, sob a supervisão da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Outros signatários do TNP — como Alemanha, Holanda, Japão e Brasil — também enriquecem urânio para uso civil sem buscar armas nucleares”, disse o site Tehran times, ao comentar a declaração de Abbas Araghchi no “x”
Modelo brasileiro volta ao centro do debate
O Brasil foi citado como exemplo de país que domina o ciclo do urânio com fins pacíficos, sem ambições bélicas. Um artigo da Revista Sociedade Militar, publicado em abril, lembrou que o Brasil, segundo especialistas do Laboratório Nacional de Los Alamos (EUA), seria capaz de produzir uma arma nuclear em apenas um ano, caso rompesse com seus compromissos internacionais.
Entretanto, o país permanece firme em sua doutrina pacifista. A Constituição proíbe o uso bélico da energia nuclear, e o Brasil é signatário não apenas do TNP, mas também do Tratado de Tlatelolco e do TPAN. Além disso, a parceria com a Argentina através da ABACC garante transparência no uso do material nuclear.

“O Brasil integra um grupo seletíssimo entre as potências globais. Além de nosso país, só EUA e Rússia reúnem duas condições fundamentais para desenvolver política nuclear autônoma: reservas significativas de urânio e independência tecnológica”, afirmou o general Sérgio Etchegoyen, ex-chefe do GSI, em entrevista à Folha.
Na mesma entrevista, o general ressalta que a escolha do Brasil foi pela diplomacia e o multilateralismo.
Negociações paralisadas e retórica incendiária
As conversas entre Teerã e Washington, mediadas por Omã, foram abruptamente suspensas após três rodadas. Oficialmente, por “razões logísticas”, mas analistas apontam para o impacto das sanções americanas e da retórica contraditória do governo Trump.
Recentemente, os EUA anunciaram novas sanções contra empresas envolvidas na exportação de petróleo iraniano, enquanto o presidente Donald Trump prometeu punir países que negociarem com Teerã. Paralelamente, o Secretário de Defesa Pete Hegseth elevou o tom ao ameaçar o Irã pelas redes sociais, o que gerou reações até dentro do Congresso americano.
“O Secretário de Defesa não tem autoridade constitucional para declarar guerra a um país soberano”, disse o deputado Thomas Massie. “Qualquer ataque deve ser aprovado pelo Congresso.”
O cientista político John Mearsheimer classificou a postura do governo como “imatura” e fruto de uma gestão “repleta de amadores”.
Angra acende alerta interno
Enquanto o Brasil mantém sua postura de compromisso com a paz, crescem as preocupações com a segurança de suas próprias usinas. Em março deste ano, a Eletronuclear impediu inspeções da WANO e sofreu cortes de R$ 400 milhões em seu orçamento. O governo criou um grupo de trabalho para estruturar um Centro de Informação de Emergência Nuclear, diante de denúncias de sucateamento.
A resolução COPREN-AR nº 1/2025 estabelece diretrizes de segurança envolvendo sete órgãos federais e estaduais, mas sindicalistas alertam para “riscos reais” em Angra 1 e 2.
Enquanto isso, os EUA pressionam por sanções, e o Brasil segue como exemplo ambíguo: pacifista, mas com know-how para mudar de rumo.