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Irã quer desenvolver ciclo completo do combustível nuclear: mídia local cita o Brasil ao comentar declarações de Abbas Araghchi

por Sérvulo Pimentel 06/05/2025
Irã quer desenvolver ciclo completo do combustível nuclear: mídia local cita o Brasil ao comentar declarações de Abbas Araghchi

O vice-ministro das Relações Exteriores do Irã, Abbas Araghchi, foi às redes sociais nesta sexta-feira (2) para reiterar o direito de seu país ao ciclo completo do combustível nuclear, garantido pelo Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP). A declaração ocorre num momento de impasse nas negociações indiretas com os Estados Unidos, em meio a novas ameaças de sanções e acusações de Washington.

“Repetir falsidades não mudará os fatos”, afirmou Araghchi, em uma publicação no X (antigo Twitter). “Como signatário fundador do TNP, o Irã tem todo o direito de possuir o ciclo completo do combustível nuclear.”

A fala foi uma resposta direta ao Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, que, em entrevista à Fox News, exigiu que o Irã suspendesse o enriquecimento de urânio e passasse a importar combustível nuclear. Rubio, que também atua como conselheiro interino de segurança nacional, afirmou que o programa iraniano representa “risco iminente de proliferação”, uma alegação que Teerã classifica como “politicamente motivada”, segundo informação do site iraniano Tehran Times.

Centrífugas IR-6 em instalação iraniana: Teerã defende direito ao enriquecimento de urânio com base no TNP. (Foto: Tehran Times)

Segundo o TNP, ao qual o Irã aderiu em 1970, os países sem armas nucleares estão autorizados a desenvolver energia nuclear para fins pacíficos, incluindo enriquecimento, sob a supervisão da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Outros signatários do TNP — como Alemanha, Holanda, Japão e Brasil — também enriquecem urânio para uso civil sem buscar armas nucleares”disse o site Tehran times, ao comentar a declaração de Abbas Araghchi no “x”

Modelo brasileiro volta ao centro do debate

O Brasil foi citado como exemplo de país que domina o ciclo do urânio com fins pacíficos, sem ambições bélicas. Um artigo da Revista Sociedade Militar, publicado em abril, lembrou que o Brasil, segundo especialistas do Laboratório Nacional de Los Alamos (EUA), seria capaz de produzir uma arma nuclear em apenas um ano, caso rompesse com seus compromissos internacionais.

Entretanto, o país permanece firme em sua doutrina pacifista. A Constituição proíbe o uso bélico da energia nuclear, e o Brasil é signatário não apenas do TNP, mas também do Tratado de Tlatelolco e do TPAN. Além disso, a parceria com a Argentina através da ABACC garante transparência no uso do material nuclear.

A imagem mostra uma vista aérea da Fábrica de Combustível Nuclear (FCN) de Resende, no Rio de Janeiro, uma das instalações citadas pelo ministro iraniano Abbas Araghchi como exemplo de programa nuclear pacífico. Esta usina, onde o Brasil enriquece urânio sob supervisão da AIEA, representa a capacidade técnica brasileira que, segundo especialistas americanos, poderia ser redirecionada para fins militares em apenas um ano, caso o país abandonasse seus compromissos internacionais. (Foto: INB Resende – Fábrica de Combustível Nuclear)

“O Brasil integra um grupo seletíssimo entre as potências globais. Além de nosso país, só EUA e Rússia reúnem duas condições fundamentais para desenvolver política nuclear autônoma: reservas significativas de urânio e independência tecnológica”, afirmou o general Sérgio Etchegoyen, ex-chefe do GSI, em entrevista à Folha.

Na mesma entrevista, o general ressalta que a escolha do Brasil foi pela diplomacia e o multilateralismo.

Negociações paralisadas e retórica incendiária

As conversas entre Teerã e Washington, mediadas por Omã, foram abruptamente suspensas após três rodadas. Oficialmente, por “razões logísticas”, mas analistas apontam para o impacto das sanções americanas e da retórica contraditória do governo Trump.

Recentemente, os EUA anunciaram novas sanções contra empresas envolvidas na exportação de petróleo iraniano, enquanto o presidente Donald Trump prometeu punir países que negociarem com Teerã. Paralelamente, o Secretário de Defesa Pete Hegseth elevou o tom ao ameaçar o Irã pelas redes sociais, o que gerou reações até dentro do Congresso americano.

“O Secretário de Defesa não tem autoridade constitucional para declarar guerra a um país soberano”, disse o deputado Thomas Massie. “Qualquer ataque deve ser aprovado pelo Congresso.”

O cientista político John Mearsheimer classificou a postura do governo como “imatura” e fruto de uma gestão “repleta de amadores”.

Angra acende alerta interno

Enquanto o Brasil mantém sua postura de compromisso com a paz, crescem as preocupações com a segurança de suas próprias usinas. Em março deste ano, a Eletronuclear impediu inspeções da WANO e sofreu cortes de R$ 400 milhões em seu orçamento. O governo criou um grupo de trabalho para estruturar um Centro de Informação de Emergência Nuclear, diante de denúncias de sucateamento.

A resolução COPREN-AR nº 1/2025 estabelece diretrizes de segurança envolvendo sete órgãos federais e estaduais, mas sindicalistas alertam para “riscos reais” em Angra 1 e 2.

Enquanto isso, os EUA pressionam por sanções, e o Brasil segue como exemplo ambíguo: pacifista, mas com know-how para mudar de rumo.