A Marinha, que castigava com chibatadas, agora pune militares de outra forma: as penas disciplinares atualmente aplicadas na armada brasileira

De oficiais generais a soldados, todos nas Forças Armadas estão sujeitos à penas disciplinares, que podem ir de repreensão a prisões rigorosas, chegando até no desligamento do serviço ativo.
Os castigos físicos na Marinha do Brasil eram pra ter terminado em 1889
Em 1910 João Candido, conhecido também como o Almirante Negro, homenagem rechaçada até hoje pela Marinha do Brasil, assumiu o comando da parte mais poderosa da esquadra brasileira para se posicionar contra os castigos físicos que, embora abolidos em todo o país, eram ainda praticados na Marinha do Brasil. Naquela é poca um marujo poderia ser chibateado se fosse considerado culpado por contravenções disciplinares.
O decreto número de de 16 de novembro de 1889, 21 anos antes da Revolta da Chibata, assinado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, havia abolido completamente os castigos físicos na Armada brasileira. Mas, ainda assim os militares de baixa patente permaneciam sendo castigados com chibatadas nos navios.

Uma norma da Marinha editada em 1890, um ano depois da proibição dos castigos corporais feita por Deodoro, prometia punição para médicos que prestassem informações que pudessem atenuar ou endurecer os castigos físicos. O documento deixa evidente que a Marinha permanecia indo contra a legislação vigente no país. mantendo os castigos físicos.
Regulamento para o Corpo de Saude da Armada a que se refere o decreto desta data / 23 DE AGOSTO DE 1890… … Art. 76. Sempre que se houver de applicar qualquer castigo corporal a alguma praça da companhia correccional, creada pelo decreto n. 328 de 12 de abril de 1890, o cirurgião do corpo a que estiver affecta a mesma companhia, será chamado para assistir a elle e examinará, si o estado physico ou pathologico do individuo admitte o castigo, que tem de lhe ser infligido, sem ficar compromettida gravemente sua saude no presente ou no futuro. Si a castigo for incompativel com o estado physico ou pathologico do individuo, o mesmo cirurgião emittirá esse juizo por escripto, motivando-o. Paragrapho unico. Os cirurgiões que emittirem um juizo manifestamente falso, em reIação a castigos corporaes, serão por elles responsabilisados, conforme o disposto no art. 2º dos de guerra do regulamento militar de 1763, ou esse juizo tenda a subtrahir o criminoso a um castigo compativel com o seu estado ou a que se lhe applique o castigo, de modo que sua vida perigue no presente ou no futuro…
Até hoje a Marinha do Brasil não se reconhece como principal culpada pela insurreição ocorrida em 1910, quando militares lotados em navios da esquadra brasileira decidiram por um fim à situação desumana que enfrentavam no quotidiano das organizações militares.
As penas previstas no regulamento disciplinar de 1983 da Marinha, vigente até hoje, incluem prisão rigorosa
a) para Oficiais da ativa:
Repreensão; prisão simples, até 10 dias; e prisão rigorosa, até 10 dias.
b) para Oficiais da reserva que exerçam funções de atividade:
Repreensão; prisão simples, até 10 dias; prisão rigorosa, até 10 dias; e dispensa das funções de atividade.
c) para os Oficiais da reserva remunerada não compreendidos na alínea anterior e os reformados:
Repreensão; prisão simples, até 10 dias; e prisão rigorosa, até 10 dias.
d) para Suboficiais:
Repreensão; prisão simples, até 10 dias; prisão rigorosa, até 10 dias; e exclusão do serviço ativo, a bem da disciplina.
e) para Sargentos:
Repreensão; impedimento, até 30 dias; prisão simples, até 10 dias; prisão rigorosa, até 10 dias; e licenciamento ou exclusão do serviço ativo, a bem da disciplina.
f) para Cabos, Marinheiros e Soldados:
Repreensão; impedimento, até 30 dias; serviço extraordinário, até 10 dias; prisão simples, até 10 dias; prisão rigorosa, até 10 dias; e licenciamento ou exclusão do serviço ativo, a bem da disciplina.
O regulamento disciplinar da Marinha no Século XXI
O regulamento disciplinar atualmente vigente na Marinha do Brasil é por muitos militares considerado descontextualizado e – em alguns itens – abriria brechas para a subjetividade, permitindo que superiores mal intencionados apliquem punições injustas e sem necessidade de justificativas plausíveis. Os itens mais contestados por constitucionalistas dizem respeito a “delitos de opinião” e a possibilidade de prisão administrativa mesmo em tempo de paz para militares da ativa e até da reserva remunerada. Alguns exemplos:
Inciso 77: “Discutir pela imprensa ou por qualquer outro meio de publicidade, sem autorização competente, assunto militar, exceto de caráter técnico não sigiloso e que não se refira à Defesa ou à Segurança Nacional.”
Inciso 78: “Manifestar-se publicamente a respeito de assuntos políticos ou tomar parte fardado em manifestações de caráter político-partidário.”
Os Problemas jurídicos apontados são:
- Aplicação indistinta a militares inativos viola a Lei nº 7.524/86.
A Lei garante liberdade ampla ao militar inativo para se manifestar politicamente, vedando apenas temas militares sigilosos. - O regulamento não distingue entre militares da ativa e da reserva/reformados.
Isso implica exceder o poder regulamentar, porque o RDM se arroga o poder de limitar direitos fundamentais de inativos, algo que só poderia ser feito por lei em sentido formal e material, e desde que não viole a Constituição. - A exigência de “autorização competente” para se manifestar (item 77) não encontra respaldo na Constituição para os inativos. Para os ativos, pode haver restrição desde que justificada pela disciplina e segurança, mas mesmo assim deve respeitar a proporcionalidade e legalidade estrita.
Inciso 36 e 37: contrair dívidas ou assumir compromissos superiores às suas possibilidades, comprometendo o bom nome da classe
Os Problemas jurídicos apontados são:
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Contrair dívidas ou inadimplência civil não pode gerar punição disciplinar se não houver relação direta com o serviço militar, pois configura violação do direito à intimidade e da cláusula do “inadimplemento civil não ensejar prisão” (CF, art. 5º, inciso LXVII).