O plano dos generais para sufocar a busca por direitos das praças, e que enganou toda a mídia

“Tem uma intenção de projeto que vete a candidatura de militares das Forças Armadas.
E quem é que vai ser impedido de se candidatar? Não vai ser o general, porque general não se candidata; não vai ser o oficial superior, porque oficial superior não se candidata na ativa – ele quer chegar a mar e guerra e coronel para depois ir embora.Quem vai ser impedido de se candidatar vão ser os terceiros-sargentos, segundos-sargentos, primeiros-sargentos, suboficiais e subtenentes.
Então esse projeto é voltado para acabar de vez com a politização dos graduados e a busca de direitos.(…) Quem entende de política militar sabe que os generais na ativa são os que fazem mais política, distribuindo panfletos. O ‘panfleto’ que o general distribui é uma medalha – e alguns dizem que as medalhas distribuídas não são por causa do que foi feito, mas do que poderá ser feito.”
— Robson Augusto, diretor da Revista Sociedade Militar, no canal Segurança e Defesa TV
A fala de Robson Augusto expõe o coração da PEC 42/2023, hoje parada no Senado, mas prestes a receber um empurrão do Palácio do Planalto. A proposta determina que qualquer militar da ativa que registre candidatura seja levado de imediato à reserva e só mantenha soldo se já tiver 35 anos de serviço.
Oficiais generais não costumam disputar eleições enquanto no serviço ativo. Depois de percorrer toda a carreira e se aposentar no topo, fazendo uma espécie de soft – política, nas palavras do jornalista, com frequente distribuição de medalhas e convites para cerimônias militares, salvo raríssimas exceções, geralmente assumem cargos em estatais ou consultorias, preferindo sempre não se posicionar politicamente, o que facilita o trânsito em meio a todos os partidos.
O novo dispositivo atinge quase exclusivamente os graduados e oficiais de baixa patente que tentam ingressar na política ainda durante a vida castrense para lutar por adicionais, reajustes e mudanças no sistema previdenciário. Estes não têm poder de movimentar tropas e não têm influência sobre contingentes.
Cúpula militar e Planalto articulam aprovação
O empurrão para destravar a proposta veio do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, que, ao aceitar permanecer no cargo até o fim de 2025, cobrou de Luiz Inácio Lula da Silva um empenho direto na tramitação.
Múcio disse ao presidente que o governo “poderia ter se empenhado mais”. Ele agora articula pessoalmente com a nova ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, e com os presidentes da Câmara e do Senado para pautar a matéria ainda no primeiro semestre, frisando que o modelo já existe “em 11 países” e “não custa um real” ao orçamento público.
O autor do texto, senador Jaques Wagner (PT-BA), vê terreno favorável:
“Vai colocar para votar. Se vamos ganhar é outra história. Esta PEC foi concebida dentro do Ministério da Defesa e acho que os comandantes devem vir aqui defender.”
Ao seu lado, o relator e vice-líder do governo, senador Jorge Kajuru (PSB-GO), endossa o otimismo:
“O governo só quer colocar a PEC para votar porque sabe que vai ganhar”, de acordo com o valor.
A estratégia prevê que Múcio e os comandantes, general Tomás Paiva (Exército), brigadeiro Marcelo Kanitz Damasceno (Aeronáutica) e almirante Marcos Sampaio Olsen (Marinha), circulem pelos gabinetes em busca dos 49 votos necessários. Para evitar a pecha de “revanchismo”, ficou acertado que militares indicados para ministérios estarão isentos da passagem imediata para a reserva.
Se o texto avançar sem mudanças, um terceiro-sargento de 30 anos terá de esperar até os 53 para concorrer sem perder soldo. Para os generais, a porta da política continua aberta e sem risco; para os cabos e sargentos, ela pode se fechar de vez, tudo em nome de uma despolitização que, na prática, apenas reforça o monopólio de quem já detém o poder dentro e fora dos quartéis.
Como a PEC engana a mídia e boa parte do Congresso
Os oficiais-generais, justamente os mais politizados dentro da hierarquia, fazem política durante toda a carreira: distribuem medalhas, estreitam laços com prefeitos, governadores e congressistas, mantêm assessores no Legislativo e comandam solenidades de alto perfil.
Quando completam 35 anos de serviço e passam automaticamente à reserva, já carregam um capital eleitoral pronto. Só então se lançam candidatos, sem perder soldo nem arriscar a patente.
As praças, ao contrário, lançam-se nas eleições ainda na ativa porque esse é o único caminho institucional que têm para lutar por reajustes, adicionais e melhorias concretas para sua categoria, questões que dificilmente chegam ao topo da agenda pelas mãos dos generais.
A PEC 42/2023 fecha justamente essa porta: exige que sargentos, suboficiais e subtenentes deixem o serviço e fiquem sem remuneração caso queiram disputar votos, tornando a iniciativa inviável para quem depende do soldo mensal.
Resultado: os generais continuarão politizando os quartéis durante a carreira e concorrerão em condições seguras depois da reserva, enquanto as vozes que mais precisam do mandato para defender direitos serão silenciadas. O discurso oficial de “despolitização” permanece; a politização que realmente conta, a dos altos escalões, segue intocada.