Os segredos do Exército em torno do misterioso e secreto Aplicativo UNA: a divulgação poderia comprometer atividades de Inteligência, explica o EME

O UNA é um aplicativo de mensagens e plataforma de comunicação unificada, desenvolvido pela empresa brasileira Dígitro Tecnologia. Lançado em 2020, foi criado como uma alternativa nacional ao WhatsApp, focada em uso corporativo e governamental seguro. A Dígitro logo conseguiu reconhecimento e em 2021 o software foi enquadrado como um Produto Estratégico de Defesa (PED) pelo governo federal.
Tecnicamente, trata-se de um sistema que integra troca de mensagens de texto, chamadas de voz e vídeo, podendo operar em nuvem ou em servidores locais. Diferentemente de aplicativos de conversas instantâneas de uso geral, o UNA oferece recursos empresariais e reforços de segurança para os usuários
Por exemplo, a plataforma permite criar grupos de trabalho, realizar videoconferências com transcrição automática da ata, compartilhar tela, enviar arquivos como documentos, fotos, áudios, vídeos e outros) e até compartilhar a localização do usuário.
Segundo a Digitro, em termos de segurança da informação, o UNA foi concebido com diversas características avançadas. Ele é um programa que suporta criptografia de ponta a ponta em todas as comunicações, protegendo os dados contra interceptação, além de possuir mecanismos muito robustos de autenticação e controle de acesso, garantindo que apenas usuários autorizados acessem determinadas informações
Há funções importantes que indicam o uso para agências ligadas á inteligência e coleta de informações privilegiadas, como conversas sigilosas, criptografia até nas imagens, bloqueio de captura de tela e proibição de encaminhamento de mensagens, reforçando a confidencialidade do conteúdo compartilhado
Outra questão extremamente importante é que o sistema não precisa ficar “na nuvem”, pode ser instalado localmente na infraestrutura da instituição usuária, de forma que os dados permaneçam sob controle interno, dentro de um quartel do Exército, por exemplo (característica importante para órgãos sensíveis), o que por outro lado dificulta o controle pelo governo e fiscalização sobre as atividades desenvolvidas pelo órgão.
O UNA também permite monitoramento administrativo e rastreabilidade: embora as conversas sejam privadas entre os participantes, o sistema mantém registro dos metadados no servidor, possibilitando auditoria pelos gestores responsáveis, ou externa.
“A solução resolve a necessidade de gestão e eficiência na comunicação, garantindo a segurança e preservação de informações armazenadas no domínio da instituição, sejam elas de voz, vídeo ou mensagem de texto. Além disso, o UNA também protege contra clonagem de dispositivos, possibilitando o bloqueio no compartilhamento de mensagens.”, diz o site que apresenta o aplicativo,
Quem usa o UNA?
O uso do UNA tem sido apontado entre militares da ativa – incluindo oficiais de alta patente – e há menções de uso também por militares da reserva. Por ser um sistema restrito e de alta segurança, seu acesso é controlado; em geral, apenas pessoal autorizado das Forças Armadas pode criar contas e utilizar o app.
Ainda que detalhes formais sobre a política de acesso não sejam públicos, relatos indicam que tanto militares em serviço ativo quanto alguns já na reserva vêm utilizando o UNA para se comunicar de forma privada. A abrangência exata do uso nas três Forças nunca foi divulgada oficialmente. Entretanto, o fato de o UNA ter status de Produto de Defesa sugere que ele está disponível para o Ministério da Defesa e suas três Forças Singulares. Em suma, pode-se dizer que oficiais do Exército, Marinha e Aeronáutica – especialmente aqueles em funções estratégicas, na inteligência ou de Estado-Maior – são os principais usuários dessa ferramenta de mensagens sigilosas.

Caso o aplicativo não tenha as mensagens monitoradas ou pelo menos arquivadas em um servidor, sendo utilizado como um canal reservado, no qual os militares confiam na segurança intrínseca da plataforma, sem ingerência da instituição sobre as conversas particulares, seria uma espécie de rede privativa de comunicação para membros das Forças Armadas, paralela aos meios oficiais tradicionais – o que torna seu uso potencialmente sensível quanto à falta de transparência e controle por parte do estado e justiça.
Relação com o 8 de Janeiro de 2023
A plataforma UMA, mesmo sem a resposta oficial do Exército sobre quem de fato utiliza o software, ganhou destaque no noticiário devido ao seu envolvimento em comunicações sigilosas de militares investigados no contexto dos eventos de 8 de janeiro de 2023. Nessa data, ocorreu a invasão das sedes dos Três Poderes em Brasília..
Em novembro de 2024, reportagens trouxeram à tona que um bug/instabilidade no UNA foi crucial para expor um desses planos ilícitos. Segundo a investigação da PF, um grupo de assessores e militares ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro vinha monitorando clandestinamente o ministro do STF Alexandre de Moraes e tramando ações violentas – incluindo um plano para assassinar o próprio ministro, o presidente Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin

A explanação da PF deixa claro que os militares eram conscientes de eventuais monitoramentos em aplicativos convencionais, e optaram por canais considerados mais discretos e seguros. Durante semanas eles trocaram informações sigilosas pelo UNA, acreditando que estariam a salvo de qualquer vigilância.
A Polícia Federal enfatizou o inusitado: “Mais uma vez utilizaram a estrutura do Estado para cometer crimes”, diz o relatório da PF sobre o episódio
Os agentes federais descobriram a trama exatamente ao identificar o uso do UNA pelas partes envolvidas. Um problema recorrente do aplicativo – ele “bugava” com frequência, segundo a PF – acabou deixando os golpistas sem conseguir apagar as mensagens trocadas
A investigação apontou que essa rede de comunicações sigilosas via UNA teve papel relevante e bastante associada aos atos de 8 de janeiro. As mensagens interceptadas revelaram a organização de monitoramento ilegal de autoridades e que pelo menos teria havido intenções de cometer atos violentos. Diante das revelações, o próprio Exército precisou reconhecer publicamente a existência do aplicativo e seu uso pelos militares envolvidos.
Investigação da Revista Sociedade Militar: pedido de informação sobre o Aplicativo UNA
Os principais questionamentos enviados ao Exército Brasileiro foram os seguintes:
- Qual é a localização do servidor principal do aplicativo?
- Por quanto tempo o servidor mantém o backup das mensagens, fotografias e documentos enviados ou recebidos por meio do aplicativo?
- O aplicativo foi desenvolvido pelas Forças Armadas ou adquirido de terceiros?
- Caso tenha sido adquirido de terceiros, solicito as seguintes informações:
– Identificação da empresa fornecedora;
– Documentação completa referente à aquisição, incluindo processos administrativos, notas fiscais, eventuais dispensas de licitação e demais documentos pertinentes. - Quantos militares desta Força Armada utilizam atualmente o aplicativo UNA? (especificar quantos militares da ativa e quantos militares da reserva)
- O uso do aplicativo é restrito a militares lotados nos setores de inteligência?
- Há autorização para instalação do aplicativo em aparelhos celulares de propriedade privada dos militares?
- Em caso de desligamento das Forças Armadas ou exoneração de funções ligadas à inteligência, o militar pode continuar utilizando o aplicativo? Quem é responsável por fiscalizar a desinstalação?
- Sendo um aplicativo licenciado para instituições públicas, há restrições quanto ao seu uso para fins particulares?
- Solicito o envio do manual de utilização do aplicativo nas Forças Armadas ou de documento equivalente.
- Quem é o responsável por autorizar a instalação do aplicativo em celulares funcionais e, se permitido, em aparelhos de propriedade particular dos militares?
Resposta do Exército sobre o aplicativo UNA e recurso na CGU
Ao receber o pedido de informação da Revista Sociedade Militar, a resposta oficial do Exército Brasileiro foi, em termos gerais, negativa. Em ofício encaminhado dentro do prazo legal, o Exército recusou-se a fornecer os dados solicitados, alegando que as informações sobre o aplicativo UNA estão protegidas por sigilo.
“Em resposta à solicitação registrada sob o protocolo nº 60143.000551/2025-37, o Serviço de Informações ao Cidadão do Exército Brasileiro (SIC-EB) informa que os dados requeridos não podem ser disponibilizados. As informações solicitadas possuem acesso restrito e são consideradas essenciais para a segurança da sociedade e do Estado. Sua divulgação poderia comprometer atividades de Inteligência, nos termos do inciso VIII do artigo 23…”respondeu o gabinete do General Richard Nunes, chefe do Estado Maior do Exército Brasileiro.
Na prática, o Exército não confirmou nem negou diretamente os pontos perguntados, apenas se negou a responder todos, alegando acesso restrito e risco para a segurança da sociedade. Entretanto, diante da negativa baseada em sigilo, a Revista Sociedade Militar interpôs um recurso junto à Controladoria -Geral da União (CGU), órgão responsável por avaliar recursos de segunda instância nos pedidos via LAI.
O recurso foi fundamentado no interesse público das informações sobre o UNA, argumentando que conhecer a existência e uso de um aplicativo de mensagens pelas Forças Armadas e a forma com que vem sendo utilizado é relevante para a sociedade – sobretudo após as denúncias de uso indevido com base em preferência políticas e/ou em possíveis conspirações.
A CGU aceitou o recurso para análise e emitiu uma manifestação inicial indicando reconhecer que se trata de um tema complexo e de alta relevância. O reconhecimento sugere que a CGU entende haver mérito em reavaliar a decisão do Exército, ponderando os potenciais riscos de sigilo versus o interesse público envolvido.
Atualmente (abril de 2025), o recurso referente ao protocolo em questão encontra-se em tramitação na CGU. A CGU pode solicitar esclarecimentos adicionais ao Exército ou mesmo uma reavaliação do grau de sigilo aplicado às informações sobre o UNA.
A Revista Sociedade Militar já conseguiu derrubar o sigilo em outras questões em que o Exército se negava a informar dados, assim, aguarda-se que a CGU decida se mantém o sigilo – respaldando a recusa do Exército – ou se determina a divulgação parcial ou total de algumas das informações solicitadas pela revista. De qualquer forma, até o momento prevalece a posição institucional de sigilo: oficialmente, quase nada foi revelado sobre o UNA em resposta ao pedido de LAI, ficando o assunto envolto em confidencialidade.
Análise do autor
A negativa da informação baseada em sigilo necessário para a segurança nacional acaba, paradoxalmente, por confirmar implicitamente a existência do aplicativo UNA. A Força Terrestre pode acabar também gerando desconfiança na sociedade, dando a entender que o aplicativo não pode ser escrutinado publicamente. Essa resposta evasiva funciona quase como um “tiro pela culatra”: “ao tentar ocultar informações, o Exército reforça a suspeita de que há algo significativo a ser ocultado.
A postura do Exército equivale a admitir que o aplicativo está em uso interno, mas que não há de fato regularização sobre quem pode ou não pode utilizá-lo. Ou seja, a instituição reconhece tacitamente o UNA como uma ferramenta real de comunicação nas suas fileiras – só não deseja fornecer detalhes sobre ele, possivelmente para evitar embaraços decorrentes do seu uso indevido e sem controle.
Parece estranho que o Exército Brasileiro argumente que informações sobre a existência de permissão para uso do aplicativo por militares na reserva, o valor pago pelo mesmo, se há autorização o uso para fins particulares, por quanto tempo as informações permanecem armazenadas no servidor e outros dados simples, que não expõem militares ou missões, podem colocar em risco a segurança nacional.
Tudo isso remete a um problema de transparência e confiança: a tentativa de manter segredo sobre o UNA pode gerar mais dúvidas e suspeitas do que tranquilizar. Se o aplicativo é legítimo e usado para fins corretos (como segurança institucional), por que não esclarecer ao menos sua finalidade e as regras que controlam a utilização? Por outro lado, compreende-se que detalhes técnicos e operacionais, bem como nomes e cargos de utilizadores permaneçam reservados.
O cerne da questão é que a sociedade agora sabe – pelo próprio descuido do Exército – que existe um “WhatsApp militar” ativo nos bastidores, que pode estar sendo utilizado de forma obscura, que estaria sendo utilizado para fins particulares, desconhecidos ou mesmo em ações antirrepublicanas. Resta acompanhar as respostas da CGU ou se futuras investigações jogarão mais luz sobre o assunto.
Robson Augusto – Revista Sociedade Militar
O autor é especialista em inteligência e redes sociais, Cientista Social, Militar Rrm e jornalista editor da Revista Sociedade Militar