O Exército está perdendo a guerra por médicos — e sabe disso: mesmo com privilégios especiais os especialistas não querem ser militares

Em meio a uma silenciosa crise de escassez de profissionais na área da saúde, o sistema de Saúde do Exército Brasileiro vem enfrentando sérias dificuldades para atrair e manter médicos especialistas em seus quadros. Publicações frequentes no Diário Oficial da União expõem o aumento de desligamentos voluntários e a baixa adesão aos concursos públicos.
A resposta da instituição veio por meio da Portaria nº 1.503, de 21 de março de 2025, que aprova a diretriz para a implementação da regionalização do ingresso de médicos especialistas, numa tentativa de reverter o quadro crítico.
A iniciativa, conforme documento oficial, busca adaptar o sistema de recrutamento às necessidades locais, oferecendo previsibilidade quanto ao local de trabalho e criando condições mais atrativas para os candidatos. O modelo prevê concursos com editais específicos para regiões com maior dificuldade de captação, inspirando-se em prática já adotada pela Marinha do Brasil.
O exército deixou claro que apesar de esforços contínuos, não tem obtido candidatos suficientes
Apesar do esforço, o Exército admite, em trechos da nova diretriz, que a “captação de profissionais tem se mostrado insuficiente”. Embora a medida seja bem recebida por setores internos, especialistas ouvidos pela Revista Sociedade Militar apontam que a falta de atratividade vai além da localização de trabalho: salários abaixo da média de mercado, jornadas exaustivas e pouca perspectiva de ascensão funcional são as principais causas da evasão.
A concorrência da iniciativa privada é desigual. Atualmente os médicos militares recém contratados, no posto de 1º tenente, recebem vencimentos brutos na faixa de 12 a 13 mil reais, considerados pouco competitivos frente ao que o profissional com a mesma habilitação recebe na rede privada. A situação é agravada pela sobrecarga de trabalho em regiões desassistidas e pela rotina que inclui plantões noturnos, responsabilidades sobre grupos, deslocamentos frequentes e missões em áreas de difícil acesso.
A instabilidade quanto ao local de trabalho também é vista pelo próprio Exército como fator desestimulante, sobretudo para profissionais já especializados, geralmente já estabelecidos em suas cidades de origem.
Embora a Força Terrestre mencione a possibilidade de ingresso em cursos de Altos Estudos ainda no posto de capitão — o que representa uma valorização salarial indireta —, os mecanismos de progressão continuam limitados. Segundo o Decreto nº 12.364, de 17 de janeiro de 2025, existem apenas cinco cargos de oficiais generais médicos em toda a força terrestre. A possibilidade de atingir patamares superiores na hierarquia é, portanto, restrita à um grupo muito pequeno.
O novo modelo de regionalização do médico militar prevê algumas mudanças
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Dois editais separados: um para o concurso nacional e outro com vagas regionais;
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Distribuição estratégica de vagas com base em dados do Departamento-Geral do Pessoal (DGP);
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Pontuação adicional para promoções em regiões prioritárias;
- Ingresso facilitado em cursos de altos estudos para médicos regionalizados;
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Possibilidade de desregulamentação do vínculo regional após a promoção a major.
Segundo o próprio Exército, a meta principal é garantir a sustentabilidade do Sistema de Saúde do Exército (SSEx) e diminuir a dependência de contratos com instituições civis, que hoje pressionam o orçamento militar. A regionalização, portanto, surge como uma medida emergencial para manter a autossuficiência e a capacidade operacional das Organizações Militares de Saúde (OMS), especialmente em áreas estratégicas.