Golpe da “militar apaixonada” volta a circular no Brasil com promessas de ricas malas diplomáticas mediante pagamento de taxas antecipadas

Golpes financeiros envolvendo perfis falsos de supostos militares estrangeiros têm se tornado cada vez mais frequentes no Brasil. As abordagens, que misturam romance digital, manipulação emocional e a promessa de envio as pressas de uma “bagagem diplomática” que não poderia ser transportada pelo militar, seguem um padrão internacional já conhecido por autoridades policiais.
O objetivo dos golpistas é induzir a vítima a realizar pagamentos antecipados para liberar encomendas inexistentes. Esse tipo de fraude é chamado de “golpe da taxa antecipada” (advance-fee fraud), ou de “antecipação de recursos” e vem sendo denunciado por polícias de diversos países.
A Polícia de Queensland, na Austrália, por exemplo, alerta que essas fraudes são cometidas por redes criminosas internacionais — frequentemente ligadas a grupos organizados nigerianos — e que têm alcançado um alto grau de sofisticação.
“Essas fraudes têm como característica comum a promessa de uma quantia em dinheiro, bens ou prêmios, em troca de um pagamento antecipado de taxas, impostos ou encargos. O bem prometido nunca chega, e o fraudador pode continuar exigindo mais dinheiro indefinidamente”, alerta o órgão.
Como funciona o golpe do pagamento antecipado
O roteiro é quase sempre o mesmo: um perfil falso se aproxima da vítima em redes sociais como Facebook ou Instagram, alegando ser um militar dos Estados Unidos em missão no Oriente Médio ou África. Após semanas ou até dias de troca de mensagens que podem ser em tom de romance ou somente de amizade, o criminoso diz ter enviado uma mala com objetos valiosos ou dinheiro ao Brasil, algo que foi capturado em uma operação militar que invadiu um quartel de um ditador e está escondida dos superiores do exército ou uma história parecida.
A vítima teria sido escolhida, segundo o golpista, porque parece uma pessoa lícita, alguém de confiança. Em seguida, a vítima passa a ser contatada por supostas empresas de transporte ou alfândega exigindo o pagamento de taxas para liberar a remessa.
Trecho de relato de prisão de golpistas que operavam na modalidade
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios: ” … Os criminosos praticavam estelionato na modalidade de antecipação de recursos, por meio de redes sociais e sites de namoro virtual. Uma vez iniciado o relacionamento, o estelionatário, alegando morar fora do Brasil, afirmava ter enviado um presente que só poderia ser retirado pela suposta namorada mediante o pagamento de taxas alfandegárias, com o depósito da quantia em uma conta corrente por ele indicada.
De acordo com o desembargador Relator do processo, com a quebra do sigilo bancário e fiscal de membros da organização criminosa, ficou demonstrado que, no período de 3 meses, foram realizadas cerca de 50 transferências bancárias por vítimas do golpe, totalizando R$ 175.365,00. Salientou, ainda, que, na casa de outro integrante da organização, foi encontrado pendrive que continha “um verdadeiro manual de como se aplicar o ‘romance scam’, além de comprovantes de três transferências bancárias do First Bank Nigéria, que, juntas, orbitavam em torno de R$ 600.000,00”.”
Um caso recente: Roberto Domingos e a “Sargento Clara Hester”
Um dos casos recentes que chegaram à redação da Revista Sociedade Militar é o de Roberto Domingos, brasileiro que foi alvo de um golpe estruturado envolvendo documentos falsos, manipulação emocional e uma cobrança de R$ 4.898,89 para liberar uma suposta bagagem diplomática vinda do Iêmen. O depósito poderia ser feito por pix, conforme indicado na mensagem abaixo, que também chegou pelo WhatsApp da vítima.

O criminoso se apresentava como “Sgt. Clara Hester Williams”, perfil feminino com fotos em fardas militares e identificação de passaporte americano. Após o contato inicial, Roberto Domingos recebeu mensagens de uma empresa chamada LivreFast Delivery Courier, alegando que a encomenda estaria presa no aeroporto e só poderia ser entregue mediante pagamento de taxa.
“Tente regularizar essa taxa ainda hoje, para que sua encomenda seja entregue até as 17h”, dizia a mensagem enviada por WhatsApp com dados bancários brasileiros em nome de Stevenson Souverain, CPF incluso.
Observando a identidade utilizada percebe-se que foram inseridos trechos diferentes do original e uma busca por documentos revela que a mesma imagem já havia sido utilizada com outro rosto. Na imagem abaixo, “identidade” da parte superior, com o nome Clara Hester, foi usada na tentativa de golpe aqui descrita. A identidade da parte inferior foi encontrada na internet. Pode-se observar que a mão que segura o cartão está na mesma posição e que o número é o mesmo C15326485.
A tentativa de golpe envolveu ainda chantagens emocionais, como a frase:
“Por que você está me machucando? Você quer que eu morra aqui?”
Os criminosos interpretam papéis diferenciados para parecerem legítimos
Segundo o alerta da Polícia de Queensland, os criminosos muitas vezes trabalham em conjunto, enviando mensagens de perfis ou números diferentes, assumindo papéis diferentes como advogados, entregadores, altos funcionários de governo, religiosos ou banqueiros, todos com o objetivo de legitimar a fraude e manter a vítima envolvida.
“A fraude pode evoluir para uma ‘fraude de recuperação’, em que outra pessoa finge ser policial e diz que prendeu o golpista, solicitando ajuda da vítima para custear a acusação. Tudo é parte da mesma rede criminosa”, detalha o órgão.
O dano financeiro e emocional
Além do prejuízo financeiro, muitas vítimas relatam abalo psicológico e constrangimento caso tenham efetuado depósitos com altos valores. Em casos extremos, pessoas vendem seus bens ou fazem empréstimos para tentar recuperar o valor perdido ou liberar a falsa encomenda. A pena para esse tipo de crime, segundo leis de diversos países, pode chegar a 12 anos de prisão. No Brasil, a prática pode ser enquadrada como estelionato e falsidade ideológica, com possibilidade de prisão e multas.
Como se proteger
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Desconfie de amizades e romances rápidos iniciados pela internet, principalmente com estrangeiros.
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Nunca envie dinheiro antecipadamente para liberar pacotes, prêmios ou heranças.
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Desconfie de documentos “militares” ou passaportes enviados por fotos.
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Verifique o CNPJ ou dados bancários fornecidos.
- Verifique os documentos enviados, se possuem rasuras ou emendas que não combinam com o todo.
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Denuncie imediatamente à polícia civil em delegacias de crimes cibernéticos e ao site onde ocorreu o contato (Facebook, Instagram, WhatsApp etc).