Policial ferido por defeito da própria arma — STJ decide se cabe ou não direito à indenização

Como o leitor da Revista Sociedade Militar está mais ou menos familiarizado com a temática militar e também de segurança pública, não deve ser difícil imaginar a seguinte cena. Um policial de arma em punho, certamente municiada, provavelmente carregada e pronta para emprego – isto é, a qualquer momento podendo ter seu gatilho acionado – em perseguição. Esse policial recebe um tiro, e em consequência sofre um ferimento no fêmur. A perseguição em ato cessa, o policial procura abrigo e pede socorro aos colegas. Ele é mais uma vítima de uma arma de fogo com defeito de fabricação.
O caso do policial ferido por arma defeituosa
O policial militar da nossa pequena dramatização existe, ele é real. Esse profissional da segurança pública ajuizou uma ação de indenização por danos morais e materiais contra a Taurus, fabricante da arma, após ter sido gravemente ferido no fêmur por um disparo acidental, causado por defeito da pistola que levava na cintura.
O juízo de primeiro grau considerou aplicável ao caso o prazo de prescrição do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que é de cinco anos, e não o prazo de três anos previsto no artigo 206, parágrafo 3º, inciso V, do Código Civil (CC).
Mas, por que é tão importante o prazo prescricional decidido pelo juiz? Importa muito, pois o policial, que no momento do defeito, portava a arma é o destinatário final do produto e foi ele quem sofreu as consequências diretas do defeito.
Importa também, porque a fabricante pediu que o CDC não fosse aplicado e que se considerasse o prazo de três anos do CC, o que levaria ao reconhecimento da prescrição da ação.
A decisão do STJ sobre a aplicação ou não do Código de Defesa do Consumidor
No recurso dirigido ao STJ, a Taurus sustentou que não é um caso de arma particular, tendo em vista que foi adquirida pelo Estado para a segurança da população.
O tribunal estadual manteve a decisão por entender que a compra da arma pela Polícia Militar não desvirtua a relação de consumo entre o policial e a fabricante.
O relator, ministro Antonio Carlos Ferreira, lembrou que os artigos 12 e 14 do CDC estabelecem responsabilidade objetiva para o fornecedor, que deverá indenizar sempre que ficar demonstrado o nexo causal entre o defeito e o acidente de consumo.
Segundo ele, o conceito de consumidor não se limita a quem adquire o produto, mas inclui também quem o utiliza, conforme disposto no artigo 2º do CDC, o qual “visa garantir a segurança e os direitos de todos os usuários, independentemente de quem tenha realizado a compra do bem”.
O conceito de consumidor bystander no CDC
A quarta turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que um policial ferido portando arma de fogo com defeito de fabricação deve ser considerado consumidor por equiparação, pois ele é o destinatário final do produto e foi quem sofreu as consequências diretas do defeito.
Para o colegiado, o fato de a arma ter sido comprada pela Polícia Militar é irrelevante para a classificação do policial como consumidor bystander – o que lhe garante a aplicação das regras mais favoráveis do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Segundo o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, o “consumidor bystander“, também chamado consumidor por equiparação, é aquele que, na hipótese de acidente de consumo, não participa diretamente da relação, mas sofre os efeitos do evento danoso, tudo na forma do artigo 17 do CDC.
Responsabilidade objetiva do fabricante em acidentes de consumo
O ministro Antonio Carlos Ferreira comentou que o artigo 17 do CDC, ao equiparar a consumidor todas as vítimas do acidente de consumo, reforça o caráter protetivo da legislação.
“Essa inclusão garante que todos os afetados por acidentes de consumo possam buscar reparação, ampliando assim a responsabilidade dos fornecedores e promovendo uma maior segurança nas relações de consumo”, salientou o magistrado.
Para o ministro, a responsabilidade da empresa deve ser analisada observando-se o defeito de fábrica que causou o disparo acidental, pouco importando a natureza jurídica da relação contratual com quem comprou o produto.
Segundo enfatizou, é o policial que utiliza a arma e é ele quem está exposto aos riscos associados a seu funcionamento. O acórdão completo pode ser lido neste link: REsp 1.948.463.