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Devassa militar apura corrupção em 58 quartéis do Exército: números chocantes da operação Química

por JB Reis 21/02/2025
Devassa militar apura corrupção em 58 quartéis do Exército: números chocantes da operação Química

A denúncia oferecida pela Procuradoria de Justiça Militar em Bagé/RS contra 1º tenente do Exército, sua esposa e dois empresários pela prática do crime de corrupção no Exército Brasileiro foi recebida pela 2ª Auditoria da 3ª Circunscrição Judiciária Militar. Foram identificadas transferências bancárias do Grupo Empresarial dos civis denunciados para a conta da esposa do oficial, então chefe do Aprovisionamento do 7º Regimento de Cavalaria Mecanizado (7º RCMec), localizado em Santana do Livramento/RS.

O caso provou ser apenas a ponta de um iceberg verde-oliva. A Justiça descobriu que muito ainda estava oculto por trás dos muros de quase 60 organizações militares do Exército brasileiro.

Dados bancários obtidos na Operação Química, deflagrada pela PJM Bagé em 2019 para investigar corrupção no Exército e fraudes na aquisição de gêneros alimentícios, permitiram identificar duas transferências bancárias nos valores de R$ 3.000,00 e R$ 2.080,00, totalizando R$ 5.080,00, para a conta bancária da esposa do oficial, em 19/5/2017.

Tais transações, argumenta o MPM, tinham como objetivo manter uma “boa relação”, entre o Grupo Empresarial e o militar, chefe do Aprovisionamento do 7º RCMec.

O papel do Aprovisionador no Exército

Como aprovisionador, o militar podia direcionar as compras dos gêneros para as empresas de seu interesse. Além disso, ainda por conta do cargo exercido, era ele quem atestava o recebimento das mercadorias entregues pelos fornecedores.

As aquisições do Aprovisionamento, em regra, tratam-se de gêneros que não são fornecidos pela cadeia de suprimento do Exército, como gêneros perecíveis, descritos como bens de consumo.

Tais compras facilitam a prática de corrupção e desvios, como, por exemplo, pedidos de materiais em quantidade excessiva ou desnecessários à vida cotidiana da organização militar, que não são entregues pelo fornecedor, mas cujo recebimento é atestado pelo aprovisionador e, em consequência, pago pela Administração Pública.

Identificação dos mecanismos de corrupção no Exército

As duas transferências identificadas foram efetuadas 10 dias após uma empresa do Grupo Empresarial dos denunciados receber ordem bancária do 7º RCMec no valor de R$ 12.705,32.

Também em data posterior, 30/5/2017, o encarregado do aprovisionamento solicitou ao fiscal administrativo a compra de 5.550 quilos de farinha de uma empresa do Grupo Empresarial dos denunciados.

Ressalte-se que, entre 2016 e 2017, uma das empresas do Grupo foi beneficiada com a emissão de, pelo menos, 7 Notas de Empenho pelo 7º RCMec, que totalizaram a quantia de R$ 151.234,512.

A corrupção no Exército, as relações espúrias entre a força e a empresa

Em depoimentos colhidos na fase investigatória, os empresários declararam desconhecer a beneficiária das transferências bancárias realizadas.

Da mesma forma, o militar denunciado disse não se recordar da motivação para o recebimento dos valores na conta de sua esposa, que quando interrogada também na fase policial, preferiu se manter em silêncio.

Para o MPM, essa falta de fundamento ou justificativa para as transferências só reforça o real propósito da transação, estreitar relações espúrias, afeitas à corrupção, entre as empresas do grupo dos denunciados e o encarregado do aprovisionamento do 7º RCMec.

Militar reincidente responderá por crime de corrupção passiva

Os militares foram denunciados pelo crime de corrupção ativa, previsto no artigo 309, caput, do Código Penal Militar, e o 1º tenente e a esposa responderão pelo crime de corrupção passiva, art. 308, caput, também do CPM.

Ação Penal Militar 7000088-46.2022.7.03.0203 – o 1º tenente já é réu em processo que tramita na 2ª Auditoria da 3ª CJM, em Bagé/RS, onde responde igualmente pelo crime de corrupção passiva.

Também como chefe do aprovisionamento do 7º RCMec, ele recebeu para si, direta ou indiretamente, vantagem indevida, consistente em 21 repasses de valores, no total R$ 42.354,63, os quais tinham o intuito de que o oficial praticasse ato infringindo seu dever funcional, direcionando ilicitamente as compras de gêneros alimentícios da organização militar para determinadas empresas.

Operação Química: um panorama da corrupção militar

A investigação, difundida como “Operação Química”, foi deflagrada em 2019 pela PJM Bagé, com base em Relatórios de Análise e Monitoramento de seu Núcleo Regional de Pesquisa e Análise de Contas Públicas, acerca de compras de gêneros alimentícios perecíveis realizadas por organizações militares.

Os relatórios apontaram indícios de ilicitudes referentes a quantitativo de rancho, recebimento de mercadorias diversas das contratadas, que no jargão militar é conhecido por “química”; direcionamento das compras de gêneros para específicas empresas; inobservância de valores apregoados quando do pagamento dos gêneros; e, enriquecimento ilícito de militares e empresários fornecedores.

IPM teve como encarregado – geral um General de Divisão

O maior IPM (7000030-14.2020.7.03.0203), conforme publicado pelo Ministério Público Militar, investigou mais de 58 organizações militares do Exército, teve como encarregado-geral um oficial general de Divisão, que coordenou 58 encarregados – auxiliares, e com um volume superior a 2.700 eventos de documentos inseridos e mais de uma centena de feitos vinculados.

Ensejou a instauração de Ações Penais Militares, por denúncias apresentadas pelos núcleos da Força-Tarefa de Bagé e Porto Alegre, imputando a acusados, militares, ex-militares de diversas OM e civis crimes em contratos decorrentes de licitação, corrupção ativa e passiva, falso testemunho, peculato-furto e associação criminosa.