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“Meus filhos, meus filhos”: tragédia na Faixa de Gaza destrói família nos minutos finais antes do cessar-fogo

por Rafael Cavacchini Publicado em 20/01/2025
“Meus filhos, meus filhos”: tragédia na Faixa de Gaza destrói família nos minutos finais antes do cessar-fogo

Há algo de perverso nos últimos minutos de uma guerra. A promessa de um cessar-fogo deveria significar alívio, mas, para a família al-Qidra, significou um golpe devastador. Após 15 meses de bombardeios, fome e deslocamento, eles acreditaram que podiam respirar novamente. Talvez tenham acreditado que a vida normal, mesmo com todos os destroços emocionais e físicos, estava prestes a recomeçar. Não poderiam estar mais errados. 

A volta para casa: um erro fatal

O cessar-fogo entre Israel e Hamas estava marcado para começar às 8h30. O anúncio circulou, mas, como tantas outras vezes, houve um atraso. Ahmed al-Qidra não sabia disso. Com os sete filhos em uma carroça puxada por burros, Ahmed seguia para Khan Younis. Era supostamente seguro. A guerra, teoricamente, havia pausado.

Mas, de acordo com reportagem da Al-Jazeera um míssil israelense atingiu o grupo. Os motivos? Um veículo próximo pode ter sido identificado como alvo. Talvez a presença de civis não tenha sequer sido considerada. O resultado: Adly, de 16 anos, e Sama, de seis anos, mortos. Ahmed também não resistiu. Hanan, esposa e mãe, que ficou organizando os pertences em outro local, ouviu a explosão. Ela sabia. Antes mesmo de ver, ela sabia.

Um detalhe cruel: tudo isso ocorreu minutos antes do cessar-fogo se tornar oficial. O atraso teria ocorrido porque o Hamas ainda não havia fornecido os nomes de três prisioneiros israelenses que seriam libertados como parte do acordo. O governo israelense, liderado por Benjamin Netanyahu, insistiu que isso justificava a continuidade dos ataques.

Para Hanan, esses detalhes políticos são irrelevantes. “Onde estava o cessar-fogo?”, ela perguntou, sentada ao lado da cama de uma filha ferida. Não há resposta. E não há lógica que justifique a morte de crianças naqueles últimos momentos de uma guerra já saturada de sangue.

A polêmica das últimas horas

Esse episódio não é um evento isolado, e talvez seja por isso que tantos se sintam cansados ao falar sobre o conflito entre Israel e Palestina. Não há lados puramente inocentes, mas há dinâmicas inegavelmente brutais. A morte de civis nas “últimas horas” antes de acordos de paz tornou-se quase um padrão em Gaza. Para muitos, isso seria um esforço final para “maximizar danos”.

A Defesa Civil de Gaza relatou que 19 pessoas morreram naquele curto intervalo antes do cessar-fogo se tornar oficial. Quantas dessas mortes poderiam ter sido evitadas? Essa pergunta ecoa em cada debate sobre o conflito, mas respostas concretas nunca vêm.

Agora, Hanan al-Qidra precisa encarar o que resta: filhos traumatizados, um lar destruído e sobretudo um vazio deixado pela perda de Ahmed, Adly e Sama. Seu desabafo é devastador: “Nós sobrevivemos mais de um ano dessa guerra, apenas para eles serem mortos em seus últimos minutos. Como isso pode acontecer?”

Enquanto Hanan tenta juntar os pedaços do que sobrou, é impossível não se perguntar: até quando esse ciclo de destruição vai continuar? E quem terá coragem de fazer algo para rompê-lo?


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Rafael Cavacchini

Rafael Cavacchini

Nascido na cidade de Itu, interior de São Paulo, Rafael Cavacchini é empresário, radialista, jornalista e ator. Apaixonado por arte, é ator de teatros desde 2013, participando em peças que vão de tragédias clássicas a musicais. É também radialista no programa “A Kombi Desgovernada”, sucesso em três estações de rádio desde 2015. Começou a escrever muito cedo, inicialmente por hobby. Mas foi apenas em 2011 que transformou o prazer em profissão, quando entrou para o quadro de jornalistas convidados da Revista SuplementAção. Em 2015, tornou-se colunista no Portal Itu.com.br e, no mesmo ano, jornalista convidado da Revista Endorfina. Foi escritor e tradutor do Partner Program do site Quora, uma rede social de perguntas e respostas e um mercado de conhecimento online, com sede em Mountain View, Califórnia. Sua visibilidade no Quora chamou a atenção da equipe da Revista Sociedade Militar. Faz parte do quadro da RSM desde fevereiro de 2023, tendo escrito centenas de artigos e reportagens.