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Em 1940, um general francês ignorou repetidamente os relatórios sobre a invasão da Alemanha pelas Ardenas; história da Segunda Guerra Mundial

por Rafael Cavacchini Publicado em 06/01/2025 — Atualizado em 05/01/2025
Em 1940, um general francês ignorou repetidamente os relatórios sobre a invasão da Alemanha pelas Ardenas; história da Segunda Guerra Mundial

Por que o General francês Maurice Gamelin ignorou os relatórios sobre o avanço alemão nas Ardenas, em 194?

Em 1940, o problema francês, como em muitas tragédias militares, era um misto de doutrinas ultrapassadas, falta de visão estratégica e decisões lentas. Tudo isso foi amarrado com uma boa dose de má sorte. O resultado foi o sucesso da Alemanha em sua invasão pelas Ardenas. E a consequentemente derrota em tempo recorde da França e do exército francês.

Relatórios ignorados? Não exatamente.

Na noite de 10 para 11 de maio de 1940, aviões de reconhecimento franceses identificaram a movimentação alemã nas Ardenas. Contudo, o comando francês, seguindo o que “sabia” sobre a guerra, acreditou que aquilo não passava de um ataque secundário ou uma manobra de distração. A inteligência prévia alimentava essa visão, levando Gamelin a subestimar o movimento.

Mesmo assim, o general francês ordenou que algumas divisões se concentrassem no rio Mosa em 11 de maio. Mas a superioridade aérea alemã e a lentidão logística dos franceses atrasaram tudo. A 71ª Divisão de Infantaria só chegou no dia 13 de maio, quando os alemães já estavam em Sedan, cavando fundo e se preparando para abrir caminho.

Dois tanques modelo SOMUA S35 próximos à Dunquerque, em maio de 1940.
Dois tanques modelo SOMUA S35 próximos à Dunquerque, em maio de 1940. Foto: Reprodução

Outro erro crítico: só em 12 de maio a dimensão do avanço da Alemanha ficou clara, quando um avião de reconhecimento francês viu um congestionamento massivo nas Ardenas. Nessa altura, as vanguardas alemãs já estavam destruindo reforços e cruzando o Mosa como se fosse um alegre passeio.

Por que os franceses não reagiram a tempo?

Vários fatores. Primeiro, o plano alemão, elaborado por Manstein, era genial e explorava justamente as fraquezas francesas. Os aliados estavam concentrados em salvar a Bélgica, desviando forças críticas da região das Ardenas, que era exatamente o que a Alemanha queria.

Além disso, o Exército Francês era doutrinado em táticas defensivas e carecia de informações em tempo real sobre o campo de batalha. Até poderiam tentar parar os alemães no dia 13 ou 14, mas:

  1. Poucas tropas próximas: Reforços estavam longe, e os que chegaram, como a 71ª Divisão, estavam mal equipados e exaustos.
  2. Falta de blindados: Os franceses não tinham divisões blindadas prontas para contra-atacar.
  3. Superioridade aérea alemã: Em 14 de maio, bombardeiros franceses e britânicos tentaram destruir as pontes sobre o Mosa, mas a Luftwaffe os dizimou antes que chegassem perto.
Milhares de prisioneiros de guerra franceses marcham para longe do front, em maio de 1940.
Milhares de prisioneiros de guerra franceses marcham para longe do front, em maio de 1940. Foto: Reprodução

Quando a 3ª Divisão Blindada tentou contra-atacar em 15 de maio, já era tarde. Após dois dias de combates intensos, as tropas estavam exaustas e, no fim, derrotadas.

Uma guerra vencida antes de começar

A verdade é que a Batalha de França foi perdida nos mapas antes mesmo de um único tiro ser disparado. O plano de Manstein era brilhante, prevendo não só as movimentações dos aliados, mas também sua hesitação e incapacidade de reagir rapidamente.

Se a França quisesse parar a Alemanha nas Ardenas, precisaria de uma combinação de fatores que simplesmente não existia:

  1. Reforços prontos e próximos;
  2. Defesas mais robustas em Sedan;
  3. Poder aéreo suficiente para enfrentar a Luftwaffe;
  4. Um ataque direto às colunas alemãs enquanto ainda estavam congestionadas.
Rommel em 1940. A "Raposa do Deserto" ignorou as ordens para parar após escaparem de contraataques franceses. A "teimosia" provou ser crucial para o sucesso da Alemanha nas Ardenas.
Rommel em 1940. A “Raposa do Deserto” ignorou as ordens para parar após escaparem de contraataques franceses. A “teimosia” provou ser crucial para o sucesso da Alemanha nas Ardenas. Foto: Reprodução

Nenhuma dessas condições estava disponível. Gamelin não foi apenas derrotado pela estratégia alemã, mas pela incapacidade crônica do Exército Francês de se adaptar a uma guerra que já não seguia as regras da Primeira Guerra Mundial.

Essa história também é carregada de polêmicas. Muitos historiadores criticam a liderança francesa por sua falta de flexibilidade. A Linha Maginot, símbolo da mentalidade defensiva da época, foi inútil diante da mobilidade alemã. Além disso, havia uma confiança quase arrogante no fato de que as Ardenas eram “intransponíveis” para grandes forças blindadas — um erro de julgamento fatal.


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Rafael Cavacchini

Rafael Cavacchini

Nascido na cidade de Itu, interior de São Paulo, Rafael Cavacchini é empresário, radialista, jornalista e ator. Apaixonado por arte, é ator de teatros desde 2013, participando em peças que vão de tragédias clássicas a musicais. É também radialista no programa “A Kombi Desgovernada”, sucesso em três estações de rádio desde 2015. Começou a escrever muito cedo, inicialmente por hobby. Mas foi apenas em 2011 que transformou o prazer em profissão, quando entrou para o quadro de jornalistas convidados da Revista SuplementAção. Em 2015, tornou-se colunista no Portal Itu.com.br e, no mesmo ano, jornalista convidado da Revista Endorfina. Foi escritor e tradutor do Partner Program do site Quora, uma rede social de perguntas e respostas e um mercado de conhecimento online, com sede em Mountain View, Califórnia. Sua visibilidade no Quora chamou a atenção da equipe da Revista Sociedade Militar. Faz parte do quadro da RSM desde fevereiro de 2023, tendo escrito centenas de artigos e reportagens.